….mensalão é guinada na jurisprudência liberal do stf….

Julgamento da ação 470 reverte tendência que se tornou marca do STF

Para quem acompanha a jurisprudência criminal, é perceptível que o julgamento do mensalão pode representar uma significativa guinada nas posições do Supremo.

Com uma série de decisões com amparo em princípios constitucionais, o tribunal vinha firmando até então um paradigma essencialmente garantista ao direito penal.

Nos últimos anos, por exemplo, concluiu que a prisão antes da condenação definitiva violava a presunção da inocência.

Julgou inconstitucional a proibição escrita em lei para a substituição da pena do condenado a tráfico de entorpecentes por prestação de serviços –e também vinha permitindo a liberdade provisória nos mesmos casos.

Reprovou a audiência por videoconferência para garantir o direito do réu de estar presente em seu julgamento.

Tem assegurado a aceitação do princípio da insignificância, anulando diversos processos por crimes de bagatela.

E ainda sumulou a impossibilidade de fixação de pena em regime mais duro (como o fechado) apenas pela gravidade do crime.

Essas decisões vinham fazendo parte de uma jurisprudência que inscrevia o Supremo como o tribunal mais liberal do país.

No julgamento da ação penal 470, todavia, o STF tem feito o que se poderia chamar de inflexão rigorosa –não apenas nos conceitos, mas, sobretudo, no discurso.

Um grau menor na exigência da prova, uma leitura mais tolerante para com os indícios. A adesão ao domínio do fato como mecanismo de punição de mandantes para contornar uma suposta fragilidade da prova direta. A valorização explícita dos elementos de inquérito produzidos fora do contraditório, antes mesmo de instaurado o processo penal.

O STF, de fato, não inventa nada que já não tivesse sido utilizado anteriormente em decisões de juízos mais rigorosos, mas reverte a tendência que fazia do tribunal um porto seguro para a leitura do sistema penal a partir da presunção da inocência.

A fixação das penas pode tornar esta inflexão ainda mais aguda a se confirmar a proposta do relator divulgada pela imprensa: a consideração como maus antecedentes de processos que ainda não têm decisão final.

Seria esse um julgamento heterodoxo, como sustenta o ministro Ricardo Lewandowsky? Ou uma mudança de rumo que afetará a jurisprudência?

Há quem veja na decisão um caráter essencialmente político e, por este motivo, uma exceção nos julgamentos da Corte. Outros que se animam com a legitimidade ao Poder Judiciário que um alinhamento com a opinião pública vai garantir. Por fim, há os que acreditam que o processo instaura um novo paradigma para o direito penal e por isso mesmo o aplaudem.

Verdade seja dita, a consideração do STF como um farol da jurisprudência não tem significado muito, ultimamente, na esfera penal.

Nos Estados, tribunais continuam fixando o regime fechado aos casos de roubo quase que automaticamente, ignorando a súmula, e repelem, com poucas exceções, a pena de prestação de serviços no tráfico que o Supremo assegurou.

A bagatela tem uma aceitação quase irrisória nas Cortes estaduais, que ignoram, também, em várias decisões, a presunção da inocência, com a expedição imediata de mandados de prisão após a apelação.

Só o tempo dirá se essa inclinação mais rigorosa vai se firmar no STF e se será incorporada pelo conjunto dos juízes.

A punição de réus de maior envergadura pode até ser comemorada por alguns como fissura na seletividade de um sistema que costuma fazer a opção preferencial pelos pobres.

Mas o endurecimento penal deve representar, ao longo do tempo, um efeito devastador no sistema penitenciário, voltando-se, afinal, justamente contra os mais vulneráveis, sobre os quais a fiscalização policial é sempre mais intensa.

3 Comentários sobre ….mensalão é guinada na jurisprudência liberal do stf….

  1. Carlo Giovanni Lapolli 19 de outubro de 2012 - 13:29 #

    Caro Marcelo,

    Pode ser que as decisões tomadas pelo STF na AP470 sejam uma guinada na jurisprudência garantista. Mas pode ser também, que seja uma normalização nas situações díspares que são julgadas. Enquanto os crimes do dia-a-dia são tratados com o máximo rigor nos tribunais inferiores, os crimes de corrupção, salvo exceções que estão aflorando neste último par de anos, são tratados com um "garantismo" que beira a impunidade.
    Poucos são os condenados por corrupção, e quase nenhum criminoso efetivamente preso. Os condenados pelos crimes de furto, roubo e tráfico são presos em flagrante e, desde este momento, começam o cumprimento de uma pena que ainda sequer foi imposta.
    E talvez, estes coitados sejam o fruto da leniência com a corrupção.
    Não que seja o que desejo, mas, enquanto no Japão uma suspeita de corrupção ou abertura de processo já leva a políticos cometerem suicídio, aqui, vê-se que alguns ainda se jactam na imprensa, zombando da realidade que nos foi escancarada no relatório da AP470. A montanha de dinheiro envolvida era tão grande, que eu fiquei ruborizado quando ouvia o relatório.
    Torçamos que o STF continue nos dois caminhos, livrando quem merece a liberdade e encarcerando quem pilhou o Estado.

  2. Euclides de Almeida Silva Filho 31 de outubro de 2012 - 11:32 #

    Fica claro que o texto em comento reflete mais uma posição ideológica do autor do que um problema de jurisprudência. Menciono isto porque quero fazer um comentário sobre a AJD – Associação de Juízes para a Democracia.

    Consigo notar o nítido colorido ideológico de esquerda da Associação, sendo alguns membros comunistas assumidos, bem como proliferam textos com defesas intransigentes do Direito Penal "Garantista", por assim dizer.

    É evidente que a adoção de práticas democráticas deve passar também pelo Direito Penal, sob pena de arbítrio do Estado, conduta antidemocrática por excelência.

    Mas uma Associação de juízes que leve a Democracia em seu nome deveria se abster mais de condicionamentos ideológicos de esquerda, ao tempo que a discussão e promoção de práticas democráticas deve ser o seu objetivo primordial.

    Caso contrário, mude-se o nome da Associação, não há problema nenhum quanto a isso.

  3. Marcelo Semer 1 de novembro de 2012 - 16:22 #

    Euclides.
    Não entendi. Você se prende a citar comunismo, esquerdismo, etc, sem nenhuma referência à questão da jurisprudência penal a que fiz referência e critica o artigo por ser "ideológico"?