….recebimento de denúncia por sequestro na ditadura: Caso Ustra….

 

 

 

Sequestro
é crime permanente cuja apreciação não está vedada pela prescrição ou anistia

 

  

A
decisão que segue é do juiz federal Helio Egydio de Matos Nogueira (9ª Vara
Federal, São Paulo), ao receber denúncia contra o ex-comandante do DOI-CODI,
Carlos Alberto Brilhante Ustra, e outros dois réus, em face do sequestro de
Edgar de Aquino Duarte.

 

Com
brilhantismo na argumentação, o juiz compreende que a natureza permanente do
sequestro o afasta dos obstáculos da prescrição e da anistia e que sua
descrição típica se equipara ao “desaparecimento forçado” que a Corte
Interamericana dos Direitos Humanos entendeu como crime de lesa-humanidade (“grave
violação múltipla e continuada de direitos humanos de caráter permanente,
praticados por agentes estatais”).

 

Nogueira
afasta, ainda, a aplicação da Lei n.º 9.140/95 (que reconhece a morte presumida),
por entendâ-la de caráter eminentemente humanitário

 

Segue,
assim, entendimento externado pelo STF (min. Cezar Peluso, na Extradição n.º
974) em caso de desaparecimento de pessoas seqüestradas por agentes estatais:
somente uma sentença na qual esteja fixada a data provável do óbito é apta a
fazer cessar a permanência do crime de seqüestro pois, sem ela, “o
homicídio não passa de mera especulação, incapaz de desencadear a fluência do
prazo prescricional”.

 

E
concluiu, numa análise compatível com o momento processual, que o  seqüestro da vítima está bem demonstrado nos
autos (com farta prova testemunhal produzida na investigação, com depoimentos
de militantes políticos que estavam presos) e que há indícios suficientes de
autoria a todos os réus.

 

 

 

 

I
– Trata-se de denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal em face de
CARLOS ALBERTO BRILHANTE USTRA, ALCIDES SINGILLO e CARLOS ALBERTO AUGUSTO, por
suposta prática do crime previsto no artigo 148, 2º do Código Penal, porque,
desde o dia 13/06/1971 até a presente data, nesta Capital, previamente
ajustados e com unidades de desígnios entre si e com outros agentes não
identificados privaram ilegalmente a vítima EDGAR DE AQUINO DUARTE (que
utilizava também o nome Ivan Marques Lemos) de sua liberdade, mediante
seqüestro cometido no contexto de ataque estatal sistemático e generalizado
contra a população, tendo eles pleno conhecimento das circunstâncias deste
ataque.

 

Consta,
também, da denúncia, que a vítima, em razão dos maus-tratos provocados
ilegalmente pelos denunciados padeceu de gravíssimo sofrimento físico e moral
(fls. 1101/1142). É o relatório. Decido.

 

Anoto,
de início, que o delito de seqüestro, previsto no artigo 148 do Código Penal é
crime de natureza material e permanente, perfazendo-se enquanto perdurar a
privação da liberdade da vítima. Como conseqüência, enquanto estiver sendo
perpetrado não incide o início de prazo prescricional, nos precisos termos do
artigo 111, III, do Código Penal.

 

Embora
o Brasil tenha aprovado a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento
Forçado de Pessoas (Convenção de Belém do Pará) através do Decreto Legislativo
n.º 127/2011, ainda não há, no ordenamento jurídico a tipificação desta
conduta.

 

Segundo
o artigo 2º do referido tratado: “(…) entende-se por desaparecimento
forçado a privação de liberdade de uma pessoa ou mais pessoas, seja de que
forma for, praticada por agentes do Estado ou por pessoas ou grupo de pessoas
que atuem com autorização, apoio ou consentimento do Estado seguida de falta de
informação ou da recusa a reconhecer a privação de liberdade ou a informar
sobre o paradeiro da pessoa, impedindo assim o exercício dos recursos legais e
das garantias processuais pertinentes.”

 

Entretanto,
o E. STF, adotando a mesma solução para o crime de conspiração,

equiparando-o
ao delito de quadrilha ou bando (Extradição nº 1122/Estado de Israel, Relator
Min. Ayres Britto, j.21/05/09), em casos como do Major Manuel Juan Cordeiro
Piacentini (Extradição nº 974. Rel. Min. Ricardo Lewandowiski, j. 26/08/09) e
do Major Norberto Raul Tozzo (Extradição nº 150, Rel. Min. Carmem Lúcia, j.
19/05/2011), autorizou suas extradições para a República da Argentina, por
crimes cometidos na década de 1970, desconsiderando o “nomen juris”
do delito, por entender que o desaparecimento forçado, naquelas hipóteses,
equipava-se ao crime de seqüestro (artigo 148 do Código Penal), ora imputados
aos denunciados, havendo, pois o requisito da dupla tipicidade.

 

Isto
posto, impende observar que uma das características da transição política do
Brasil, diferentemente de outras experiências continentais, é a ausência de
punição dos agentes estatais envolvidos nos excessos perpetrados durante o
período de repressão política vez que delitos como homicídios e lesões
corporais, entre outros, foram albergados pela chamada Lei da Anistia (Lei n.º
6.683/79), aliás, considerada constitucional pelo STF no julgamento da Argüição
de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF n.º 153/DF) promovida pelo
Conselho Federal da OAB.

 

No
entanto, levando em conta a natureza do delito de seqüestro que se protrai no
tempo e se prolonga até hoje, somente cessando quanto a vítima for libertada,
se estiver viva, ou seus restos mortais for encontrado, não se aplicado, pois,
aqui as disposições da chamada Lei da Anistia, concedida àqueles que no período
de 02/05/1961 a 15/08/1979 perpetraram crimes político ou conexos a estes.

 

Com
efeito, e como se verá a seguir, a vítima desapareceu enquanto permanecia em
poder dos órgãos de repressão estatal e seu corpo jamais foi encontrado sendo
lícito presumir, no limiar da ação penal, em que vigora a presunção “pro
societate”, que foi detida e seqüestrada e que a supressão de sua
liberdade perdure até a data de hoje.

 

Consigno,
outrossim, que a Lei n.º 9.140, de 04/12/1995, não serve de empeço para a
presente ação penal. O diploma legal, de caráter efetivamente humanitário,
embora use em seu texto a expressão “para todos os efeitos legais”
reconhece a morte presumida (artigo 3º e 12 da Lei n.º 9140/95) de pessoas
desaparecidas em razão da participação, ou acusação de participação, em
atividades políticas no período de 02/09/1961 a 15/09/1979, no âmbito civil, e
não gera efeitos penais, em que se busca a verdade real, o texto veio à lume em
benefício dos familiares das vítimas e dos próprios ofendidos, para que se
facilitasse o pagamento a eles de indenizações, não se admitindo que possa
agora ser utilizado, como bem assentou o Ministério Público Federal, para
exonerar o Estado de seu dever irrenunciável de assegurar proteção às vítimas,
inclusive por meio do sistema processual criminal.

 

Se
assim não fosse, apenas para argumentar, os casos de desaparecidos forçados, o
termo inicial da prescrição da pretensão punitiva seria 05/12/1995 data da
publicação da lei, e, nesta hipótese, haveria a obrigação estatal de apurar
crime de homicídio que não estariam prescritos e nem acobertados pela anistia.

 

Acolho
o entendimento externado pelo E. Ministro Cezar Peluso, no julgamento da
Extradição n.º 974, lembrada pelo “Parquet” Federal, segundo o qual,
em caso de desaparecimento de pessoas seqüestradas por agentes estatais,
somente uma sentença na qual esteja fixada a data provável do óbito é apta a
fazer cessar a permanência do crime de seqüestro pois, sem ela, “o
homicídio não passa de mera especulação, incapaz de desencadear a fluência do
prazo prescricional”.

 

Destaco,
ainda, que o Brasil ratificou o Pacto de São Jose da Costa Rica, que ingressou
no ordenamento jurídico por força do Decreto n.º 678/92. E o Brasil, desde a
edição do Decreto n.º 4.463/02, passo a reconhecer a jurisdição obrigatória da
Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão que investiga,
interpreta e aplica o citado Pacto da São José da Costa Rica.

 

Embora
não diga respeito diretamente ao caso em questão, mas cujos fundamentos podem
ser ora utilizados, após o julgamento da ADPF n.º 123 pelo STF em 04/11/2010, a
CIDH considerou culpado o Estado Brasileiro pelas mortes e desaparecimentos de
militante políticos na chamada “Guerrilha do Araguaia” (caso Gomes
Lund vs. Brasil).

 

Em
especial, no que tange ao desaparecimento forçado, o entendeu a Corte
Internacional como grave violação múltipla e continuada de direitos humanos de
caráter permanente, praticados por agentes estatais que se nem a revelar a
sorte e o paradeiro da vítima, ressaltando ser imperiosa uma investigação
sempre que hajam fundadas suspeitas que uma pessoa foi submetida a
desaparecimento forçado, cabendo uma apuração séria, imparcial e efetiva,
alvitrando que os Estados tipifiquem em suas legislações tais condutas ilícitas,
levantando-se obstáculos normativos que impeçam a investigação e,
eventualmente, a punição de tais atos, conforme 101 a 111 da sentença, que, por
ser oportuno e conveniente, transcrevo, sem as correspondentes notas de rodapé:

 

“101. Este Tribunal considera
adequado reiterar o fundamento jurídico que sustenta uma perspectiva integral
sobre o desaparecimento forçado de pessoas, em virtude da pluralidade de
condutas que, unidas por um único fim, violam de maneira permanente, enquanto
subsistam, bens jurídicos protegidos pela Convenção.

 

102. A Corte nota que não é recente a
atenção da comunidade internacional ao fenômeno do desaparecimento forçado de
pessoas. O Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados e Involuntários de
Pessoas das Nações Unidas elaborou, desde a década de 80, uma definição
operacional do fenômeno, nela destacando a detenção ilegal por agentes,
dependência governamental, ou grupo organizado de particulares atuando em nome
do Estado, ou contando com seu apoio, autorização ou consentimento.

 

Os elementos conceituais estabelecidos
por esse Grupo de Trabalho foram retomados posteriormente nas definições de
distintos instrumentos internacionais (infra par. 104).

 

103. Adicionalmente, no Direito
Internacional, a jurisprudência deste Tribunal foi precursora da consolidação
de uma perspectiva abrangente da gravidade e do caráter continuado ou
permanente da figura do desaparecimento forçado de pessoas, na qual o ato de
desaparecimento e sua execução se iniciam com a privação da liberdade da pessoa
e a subsequente falta de informação sobre seu destino, e permanece enquanto não
se conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e se determine com certeza sua
identidade. Em conformidade com todo o exposto, a Corte reiterou que o
desaparecimento forçado constitui uma violação múltipla de vários direitos
protegidos pela Convenção Americana, que coloca a vítima em um estado de
completa desproteção e acarreta outras violações conexas, sendo especialmente
grave quando faz parte de um padrão sistemático ou prática aplicada ou tolerada
pelo Estado.

 

104. A caracterização pluriofensiva,
quanto aos direitos afetados, e continuada ou permanente do desaparecimento
forçado se desprende da jurisprudência deste Tribunal, de maneira constante,
desde seu primeiro caso contencioso há mais de vinte anos, inclusive com
anterioridade à definição contida da Convenção Interamericana sobre
Desaparecimento Forçado de Pessoas. Essa caracterização resulta consistente com
outras definições contidas em diferentes instrumentos internacionais, que
salientam como elementos simultâneos e constitutivos do desaparecimento
forçado: a) a privação da liberdade; b) a intervenção direta de agentes
estatais ou sua aquiescência, e c) a negativa de reconhecer a detenção e
revelar a sorte ou o paradeiro da pessoa implicada. Em ocasiões anteriores,
este Tribunal já salientou que, ademais, a jurisprudência da Corte Europeia de
Direitos Humanos, as decisões de diferentes instâncias das Nações Unidas, bem
como de vários tribunais constitucionais e outros altos tribunais nacionais dos
Estados americanos, coincidem com a caracterização indicada.

 

105. A Corte verificou a consolidação
internacional na análise desse crime, o qual configura uma grave violação de
direitos humanos, dada a particular relevância das transgressões que implica e
a natureza dos direitos lesionados. A prática de desaparecimentos forçados
implica um crasso abandono dos princípios essenciais em que se fundamenta o
Sistema Interamericano de Direitos Humanos e sua proibição alcançou o caráter de
jus cogens.

 

106.
O dever de prevenção do Estado abrange
todas as medidas de caráter jurídico, político, administrativo e cultural que
promovam a salvaguarda dos direitos humanos. Desse modo, a privação de
liberdade em centros legalmente reconhecidos, bem como a existência de
registros de detidos, constituem salvaguardas fundamentais, inter alia, contra
o desaparecimento forçado. A contrario sensu, a implantação e a manutenção de
centros clandestinos de detenção configuram per se uma falta à obrigação de garantia,
por atentar diretamente contra os direitos à liberdade pessoal, à integridade
pessoal, à vida e à personalidade jurídica
.

 

107.
Pois bem, já que um dos objetivos do
desaparecimento forçado é impedir o exercício dos recursos legais e das
garantias processuais pertinentes quando uma pessoa tenha sido submetida a
sequestro, detenção ou qualquer forma de privação da liberdade, com o objetivo
de ocasionar seu desaparecimento forçado, se a própria vítima não pode ter
acesso aos recursos disponíveis é fundamental que os familiares ou outras
pessoas próximas possam aceder a procedimentos ou recursos judiciais rápidos e
eficazes, como meio para determinar seu paradeiro ou sua condição de saúde, ou
para individualizar a autoridade que ordenou a privação de liberdade ou a
tornou efetiva.

 

108.
Em definitivo, sempre que haja motivos
razoáveis para suspeitar que uma pessoa foi submetida a desaparecimento forçado
deve iniciar-se uma investigação. Essa obrigação independe da apresentação de
uma denúncia, pois, em casos de desaparecimento forçado, o Direito
Internacional e o dever geral de garantia impõem a obrigação de investigar o
caso ex officio, sem dilação, e de maneira séria, imparcial e efetiva. Trata-se
de um elemento fundamental e condicionante para a proteção dos direitos
afetados por essas situações. Em qualquer caso, toda autoridade estatal,
funcionário público ou particular, que tenha tido notícia de atos destinados ao
desaparecimento forçado de pessoas, deverá denunciá-lo imediatamente.

 

109.
Para que uma investigação seja efetiva,
os Estados devem estabelecer um marco normativo adequado para conduzir a
investigação, o que implica regulamentar como delito autônomo, em suas
legislações internas, o desaparecimento forçado de pessoas, posto que a
persecução penal é um instrumento adequado para prevenir futuras violações de
direitos humanos dessa natureza. Outrossim, o Estado deve garantir que nenhum
obstáculo normativo ou de outra índole impeça a investigação desses atos, e se
for o caso, a punição dos responsáveis.

 

110.
De todo o exposto, pode-se concluir que
os atos que constituem o desaparecimento forçado têm caráter permanente e que
suas consequências acarretam uma pluriofensividade aos direitos das pessoas
reconhecidos na Convenção Americana, enquanto não se conheça o paradeiro da
vítima ou se encontrem seus restos, motivo pelo qual os Estados têm o dever
correlato de investigar e, eventualmente, punir os responsáveis, conforme as
obrigações decorrentes da Convenção Americana.

111.
Nesse sentido, no presente caso, a análise
do desaparecimento forçado deve abranger o conjunto dos fatos submetidos à
consideração do Tribunal. Somente desse modo a análise jurídica desse fenômeno
será consequente com a complexa violação de direitos humanos que ele implica,
com seu caráter continuado ou permanente e com a necessidade de considerar o
contexto em que ocorreram os fatos, a fim de analisar os efeitos prolongados no
tempo e focalizar integralmente suas consequências, levando em conta o corpus
juris de proteção, tanto interamericano como internacional.” A alegação de
incompetência ratione temporis, argüida pelo Brasil, não pode ser acolhida em
relação ao delito de seqüestro, em virtude de sua natureza perma somente ter
reconhecido a jurisdição da Corte em 10/12/1998 não afastaria a sua competência
para o conhecimento e julgamento dos ilícitos cuja execução teve continuidade
para além daquela data. Nesse posto, a CIDH manteve-se absolutamente fiel aos
seus precedentes (casos Blake vs Guatemala, Radilla Pacheco vs México, Ibsen
Cardinos vs Bolívia e Velásquez Rodrigues vs Honduras), reafirmando que o
início da execução do desaparecimento forçado coincide com a privação de
liberdade da vítima, prosseguindo a execução com a ausência de fornecimento de
qualquer informação sobre seu paradeiro. Dessa forma, o comportamento somente
cessaria no momento em que as informações sobre o paradeiro da vítima ou o seu
destino viesse à tona.” Feitas essas colocações iniciais, passo a
verificar a existência de justa causa para a deflagração da ação penal
.

 

II
– O seqüestro da vítima EDGAR DE AQUINO DUARTE está bem demonstrado nos autos.
A documentação relativa a EDGAR, preservada no Arquivo Público do Estado de São
Paulo, comprova que agentes do DEOPS/SP seqüestraram-no e que o mantiveram no
cárcere, ilegalmente, a partir de 13/06/1971, de início nas dependências do
DOI-CODI/II Exército e, depois, nas dependências do DEOPS/SP, conforme se
verifica do exame dos documentos de fls. 97/98, 103, 315, 316, 317, 319 e
334/338 dos autos.

 

Ademais,
o seqüestro de EDGAR restou corroborado ainda pela farta prova testemunhal
produzida na investigação, consubstanciada pelos depoimentos de militantes
políticos que estavam presos tanto no DOI-CODI/II Exército como DEOPS/SP (fls.
53/57, 167/173, 174/177, 195/198, 203/205 e 225/228).

 

Ressalte-se
que não há nos autos notícia, ou mesmo indicio de que EDGAR tenha sido
efetivamente morto por órgãos da repressão política, inexistindo informações
concretas de seu atual paradeiro após ser visto por presos no DEOPS/SP não há
indicação do local onde possam estar seus eventuais restos mortais, seu
cadáver, local de sepultamento ou depoimento de testemunhas que o tenham visto
morto no farto material de investigação coligido e examinado por este
Magistrado.

 

Embora
possível sua morte real, existe a probabilidade de permanecer privado de sua
liberdade, conclusão que não pode ser afastada sequer pela provável idade de
EDGAR nos dias de hoje (73 anos), que corresponde à expectativa de vida média
do brasileiro segundo o IBGE, e é menor, por exemplo, que a do acusado CARLOS
ALBERTO BRILHANTE USTRA. Nem mesmo a alegação da ocorrência de abertura
política e da existência de um Estado hoje fundado por bases democráticas e, em
princípio seguro, constitui circunstancia suficiente para superar a conclusão
de que não há elementos suasórios, nesta fase processual, do óbito da vítima,
constituindo-se, ademais, tal tese em argumentação retórica e metajurídica.

 

Apenas
para argumentar, casos há, infelizmente, de privação de liberdade que
perduraram por muitos anos. A senadora colombiana Ingrid Betencourt ficou em
cativeiro por mais de seis anos, até ser libertada viva pelas FARC. Delmanto
lembra outro caso de desaparecimento, esclarecido em 2008, ocorrido na Áustria,
em que Josef Fritzl, condenado à prisão perpetua, manteve sua filha seqüestrada
por 24 anos, violentando-a e tendo com ela 7 filhos (“Código Penal
Comentado”, Saraiva. 8ª Edição. p.529).

 

Há,
de outra banda, indícios suficientes de autoria contra os acusados. a) CARLOS
ALBERTO BRILHANTE USTRA, conhecido por “Dr. Tibiriçá”, foi comandante
operacional do DOI-CODI/II – Exército, entre 1970 a janeiro 1974 (fls. 17):
como é notório, o DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro
de Operações de Defesa Interna), que sucedeu a “Operação Bandeirantes”,
foi uma das mais agressivas unidades de repressão política, especialmente no
período que o acusado CORONEL USTRA esteve à sua frente.

 

No
caso dos autos, o acusado foi o autor e possuía o domínio do fato criminoso
consistente na privação ilegal da liberdade de EDGAR DE AQUINO DUARTE, primeiro
no DOI-CODI/II – Exército, e, posteriormente, nas descendências do DEOPS/SP de
onde a vítima desapareceu. O acusado, comandante do DOI-CODI na época dos
fatos, participava, coordenava e determinava todas as ações repressivas ali
praticadas, sendo inegável que detinha do domínio dos fatos criminosos. Veja-se
a título de exemplo, os depoimento de Eleonora de Oliveira (fls. 106/113),
Laurindo Martins Junqueira Filho (fls. 114/121), Leane Vieira de Almeida (fls.
121/128) e Lenira Machado (fls. 174/177).

 

Sobreleva
notar que o acusado ainda foi declarado responsável pelas graves violações à
integridade física e pela segurança de presos no DOI-CODI, em recente decisão
do Tribunal de Justiça de São Paulo (fls. 917/942). A imputação delitiva e
rogada ao acusado encontra embasamento da prova testemunhal colacionada na
investigação (fls. 182/184, 195/198 e 225/228) e não prova documental juntada
aos autos (fls. 97/98, 103, 319, 320/322) b) o acusado ALCIDES SINGILLO, delegado
de Policia Civil aposentado, esteve lotado no Departamento de Ordem Política e
Social de São Paulo (DEOPS/SP), entre abril de 1970 e 1975 (fls. 430, 436/437),
existindo elementos que participou do delito em foco a partir de encaminhamento
da vítima para sua unidade de atuação em 1972 e, a partir de 1973, em local
desconhecido, conforme se verifica da prova testemunhal coligida (fls. 53/57,
167/173, 199/200, 203/205, 725 e 735/736).c) o acusado CARLOS ALBERTO AUGUSTO,
conhecido pelo cognome “Carlinhos Metralha”, era investigador de
policia lotado no DEOPS/SP e integrante da equipe do delegado Sergio Paranhos
Fleury. Após participar da prisão de José Anselmo dos Santos (“Cabo
Anselmo”) no apartamento de EDGAR, foi posteriormente, ao lado de outros
agentes policiais, responsável pela detenção também da vítima, em 13/07/1973. A
imputação de captura da vítima e sua participação na privação permanente de sua
liberdade, encontra arrimo suficiente na prova testemunhal (fls. 53/57,
167/172, 735/736), bem como no documento de fls. 591 dos autos (entrevista
concedida pelo acusado ao jornalista Percival de Souza).

 

III
– Por fim, é necessário que graves fatos delituosos venham à tona para serem
apurados, em qualquer condição. Sem entrar no mérito da causa e considerando a
singularidade do caso, de triste memória, afigura-se ainda mais imperioso que
as circunstancias da prisão e desaparecimento da vítima restem aclaradas, para
que uma estória de vida não seja fragmentada e, de outro lado, que se consiga
afastar dúvida perene, que, a cada dia que passa, renova a dor e agonia de
todos os amigos e familiares das vítimas. Ao contrário do que já se afirmou
recentemente, independentemente do desfecho do caso não devemos e não podemos
sepultar os fatos no silêncio da história.

 

IV
– Diante do exposto, presentes os requisitos do artigo 41 do Código de Processo
Penal, havendo prova da existência de fato que caracteriza crime em tese, e
indícios da autoria, RECEBO A DENÚNCIA de fls. 1101/1142, em face de CARLOS
ALBERTO BRILHANTE USTRA, ALCIDES SINGILLO e CARLOS ALBERTO AUGUSTO.

 

Requisitem-se
os antecedentes penais e as informações criminais, bem como as certidões
eventualmente existentes em nome dos acusados.

 

Citem-se
os acusados, expedindo-se carta precatória se necessário, para responder à
acusação por escrito e por meio de defensor constituído, no prazo de 10 (dez)
dias, nos termos dos artigos 396 e 396-A do Código de Processo Penal.
Cientifique-se, que se deixarem de apresentar resposta ou não indicarem
advogados, em virtude da impossibilidade de arcar com os honorários de um, será
nomeado a Defensoria Pública da União para patrocinar seus interesses.

 

Ficam
cientes as partes que, em face da inovação trazida pelo artigo 396-A, parte
final, do Código de Processo Penal, deverá ser justificada a necessidade de
intimação por Oficial de Justiça das testemunhas eventualmente arroladas, sendo
que no silêncio, estas deverão comparecer independentemente de intimação à
audiência a ser designada.

 

Ao
SEDI para as devidas anotações, no tocante alteração de classe e pólo
passivo.Oficie-se ao cartório de registro civil de pessoas naturais indicados
às fls. 413/415 para que envie a este juízo a certidão de óbito de LUIZ GONZAGA
SANTOS BARBOSA, no prazo de dez dias.

 

Com
relação a EDSEL MAGNOTTI deverá o representante do Ministério Público Federal
indicar o cartório de registro civil de pessoa natural onde está registrado seu
óbito no prazo de dez dias. Com a vinda dos documentos, tornem os autos
conclusos para eventual extinção de punibilidade.

 

Deverá
o Ministério Público Federal providenciar a juntada da mídia digital que não
consta do envelope de fl. 220 dos autos, bem como esclarecer se há necessidade
de permanecerem tramitando em conjunto com os autos principais o anexo I e
apenso II, que dizem respeito exclusivamente a José Anselmo dos Santos, ou se
podem ser desapensados e devolvidos.

 

Providencie
a secretaria a extração de cópias integrais do apenso I , trasladando-as aos
autos principais, certificando-se nos autos.

 

Ciência
ao Ministério Público Federal.

 

Intimem-se.São
Paulo, 23 de outubro de 2012.

 
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