….a proporcionalidade da reincidência….

 

 

O uso desproporcional da reincidência conduz ao direito
penal do autor

 

O Supremo Tribunal Federal, por uma unanimidade relativa
(a totalidade dos oito membros presentes à sessão) considerou constitucional o
agravamento pela reincidência e, do que se depreendeu da leitura dos informes
da sessão, o relator ministro Marco Aurélio saiu incumbido de preparar a
minuta de uma Súmula Vinculante para o tema.

Desnecessária, inclusive porque escassa a divergência nos
tribunais acerca da questão.

Seria mais útil, aos que advogam a legitimidade e
eficiência do efeito vinculativo, que este fosse estendido a outras súmulas
como, por exemplo:

a Súm. 718 (STF), que impede a fixação de regime inicial
lastreado na “opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime”;

a Súm. 719 (STF), que exige “motivação idônea para a
imposição de regime de cumprimento mais severo”;

a Súm. 717 (STF), que permite a execução provisória do
julgado, para a progressão de regime a condenado não-definitivo,

ou quem sabe a incorporação da Súmula 443, do STJ, que
impede a exasperação no roubo circunstanciado, pela “mera indicação do número
de majorantes”, ou a Súmula 444, do mesmo tribunal, que veda a utilização de
“inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”,

ou ainda transformar na mesma medida a aplicabilidade da
substituição de penas privativas pelas restritivas de direito no crime de
tráfico de entorpecentes, diante da enorme resistência da jurisprudência dos
tribunais locais.

Essas modificações sim poderiam representar uma significativa alteração
no sistema penal e, por consequência, na estrutura carcerária do país.

A consideração da constitucionalidade do agravamento pela
reincidência está longe, todavia, de exaurir a matéria envolvida.

Uma questão necessária –e também de ampla repercussão
prática- diz respeito à proporcionalidade no uso da reincidência.

Quais os limites de sua aplicação como agravante?

a-) é possível aplicar a reincidência para agravar pena
se a condenação anterior se limitou à sanção pecuniária, caso em que a
aplicação no segundo crime ensejará punição bem superior pelo fato original?

b-) é possível aplicar a reincidência para agravar pena
privativa de liberdade se a condenação anterior se deu por delito a que nem se comina
qualquer pena privativa de liberdade, como a do porte de entorpecentes para uso
próprio (hipótese em quê resultaria quase vazio o esforço de desprisionalizar a
conduta do usuário)?

c-) é possível cumular a aplicação da reincidência com a
circunstância judicial de maus antecedentes (logicamente contida naquela), produzindo
o milagre da multiplicação das circunstâncias negativas da vida pregressa?

d-) a reincidência aplicada no segundo crime pode
resultar em aumento superior à da pena aplicada no próprio em que foi gerada?

e-) e, por fim, a violação que considero a mais
contundente ao princípio da proporcionalidade: a rejeição da aplicação do
redutor no tráfico, quando lastreada exclusivamente na reincidência. Nesta hipótese,
o resultado provocado faz com que a reincidência simplesmente triplique a pena,
formatando situação na qual a sanção pelo delito que se julga é de apenas uma
terça parte da sanção final –representando a reincidência dois terços da
punição.

É o verdadeiro triunfo da reincidência sobre o fato –do passado
sobre o presente.

Leia aqui sobre a aplicação do redutor nestas
circunstâncias e a aplicação do princípio da proporcionalidade.

O culto exacerbado à reincidência na aplicação da pena é,
seguramente, um dos motivos da atual hiper-prisionalização.

A análise da possibilidade de sua aplicação não esgota a
verificação, também constitucional, de sua proporcionalidade, evitando-se, ao
menos, o retorno sem freios nem escalas a um direito penal do autor, no qual,
parafraseando Cazuza, a pena já vem
marcada antes do crime nascer
.

Um comentário sobre ….a proporcionalidade da reincidência….

  1. Roberto Luiz Corcioli Filho 6 de abril de 2013 - 02:07 #

    Perfeito, Marcelo! Abçs.