….dois alertas e uma oportunidade no caso Petrobrás….

 
 
Mais importante que reprimir no direito penal é prevenir fortalecendo a advocacia pública que faz controle interno de legalidade
 
 
 
 
A euforia com tantas prisões, confissões e delações no caso Petrobrás,
envolvendo empresários do topo da cadeia alimentar, dificilmente será
suficiente para deixar terra arrasada, daquelas em que não sobram pedra sobre
pedra da corrupção no país, nem mesmo para nos dar a certeza indubitável de que
daqui para a frente tudo vai ser diferente.

Mesmo o otimismo arraigado no propagado êxito de um processo que está
apenas em seu começo, não pode impedir que tomemos como importantes dois
alertas, já que o sucesso e a boa reputação costumam mascarar os riscos: se
deixarmos, o endeusamento do direito penal e a politização dos malfeitos podem
se tornar subprodutos profundamente indesejáveis.

Embora o direito penal siga sendo extremamente seletivo, do que é prova
a diminuta diversidade da clientela que superlota as cadeias, já passamos por
outros escândalos majestosos e prisões espetaculares que, ao final, se perderam
no tempo e nos autos. Quanto mais rápidas foram decretadas as prisões, menos
elas duraram.

Independente da maior ou menor eficácia processual desta operação
apelidada de Lava Jato, cujo ponto forte parece ter sido mesmo a descoberta de
uma nova espécie de prisão provisória, aquela destinada a obter delações, é
importante que consigamos resistir à tentação de depositar as fichas no direito
penal como a tutela mais produtiva do patrimônio público.

Não é preciso muito esforço para concluir que o direito penal chega
sempre com atraso e com forças débeis para restaurar situações pretéritas. A
reparação, aliás, nunca foi o seu forte. Neste particular, a operação em
questão é de fato um ponto fora da curva no que respeita à possibilidade de
recuperação de ativos –ainda que os valores anunciados sejam
estratosfericamente inferiores aos envolvidos nas fraudes licitatórias.

Mas a sedutora ideia de que a equação prisão-delação possa ser a solução
para os nossos problemas penais também esconde em seus desvãos problemas éticos
e jurídicos quase que incontornáveis.

Prender para forçar uma confissão ou mesmo a acusação de terceiros não é
muito distinto dos esforços policiais para que réus colaborem com a
investigação
nos escaninhos de uma delegacia no meio da madrugada. Não
apenas pelo constrangimento, mas pelas seletividades de que podem resultar nas
delações escolhidas a dedo, prejudicando a própria idoneidade dos relatos.

É bom lembrar que o macarthismo dos anos 50 e 60 nos Estados Unidos
também nutriu o expediente de trocar indiciamentos por indicações de nomes mais
graúdos; e a Mãos Limpas na Itália da mesma forma, com certos rastros de
acusações indevidamente lançadas.

Desculpas e admissão de “erros materiais” adiantam pouco nos tempos de
julgamentos relâmpagos e, sobretudo, públicos.

E o estado policial dá um passo cada vez maior quando passamos a
empregar o direito penal como nossa principal política – Governing through
crime
, como afirma Jonathan Simon em relação ao estágio atual da sociedade
norte-americana.

Confia-se, entretanto, que o profissionalismo de procuradores e juízes
seja capaz de impedir a armadilha da apropriação político-partidária do evento,
como se deu durante o processo eleitoral, com o timing de vazamentos seletivos.
E na dupla jornada, relatada pelo jornal O Estado de S. Paulo, de policiais
imersos em apurações, ao mesmo tempo em que protagonizavam louvações e insultos
aos candidatos.

Afinal, tudo o que não se pode fazer na apuração da corrupção é a
corrupção de distinguir os acusados, entre ricos e pobres, governistas ou da
oposição, amigos e inimigos, enfim.

Mas se há uma coisa em que a apuração dos volumes exorbitantes de
contratos e comissões nos adverte é para a necessidade de um maior controle das
licitações, justamente no caminho inverso que as mudanças legislativas vinham
apontando.

Já está claro pelo levantamento destes contratos e de outras grandes
obras, como a de metrôs, por exemplo, que várias regras da concorrência têm
sido burladas, a começar pela sua própria obrigação.

Não parece ser o melhor momento para investir, pela suposta praticidade
ou propalada eficiência, em regimes diferenciados de contratação ou na
flexibilização da licitação pública.

Os exemplos estão a nos mostrar que é preciso mais e não menos regras,
especialmente para os macro-contratos, em que uma comissão de 3 a 5% é, por si
só, uma quantia assaz vultosa.

Mais controle não significa apenas regras mais rígidas, como servidores
que estejam em melhores condições de perceber e impedir as irregularidades.

Se o fortalecimento do Ministério Público foi importante para a tutela
do patrimônio e da moralidade públicas, especialmente na área da improbidade, o
momento é de fortalecer a Advocacia Pública, responsável pelo primeiro controle
de legalidade interna da administração.

Por coincidência, tramita no Congresso Nacional uma Proposta de Emenda
Constitucional, PEC82, destinada a assegurar autonomia aos órgãos da Advocacia
Pública (Advocacia Geral da União e Procuradorias dos Estados), de modo que
tenham mais estrutura para descortinar as irregularidades e impedir licitações
fraudulentas –não por acaso chamada de PEC da Probidade.

Os advogados públicos precisam de carreiras de apoio com profissionais
que lhes ajudem a compreender as especificidades das licitações e ao mesmo
tempo garantias de que não sejam removidos de seus cargos quando dizem não aos
governantes.

Seria louvável, ainda, que estendessem seu controle e sua supervisão
para toda a administração indireta, onde, aliás, são elaboradas as contratações
mais polpudas –como nas sociedades de economia mista como a Petrobrás e o
Metrô.

O governo federal, que tem patrocinado importantes mecanismos legais
para a tutela do patrimônio público, como a Lei de Acesso à Informação e a Lei
Anti-Corrupção, daria um sinal inequívoco de seu compromisso se decidisse,
enfim, apoiar a PEC82.

 
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