….DPU : entre a retórica e a ação de um governo inimigo…..

 

 

“Importância
da Defensoria para o governo é só retórica”

 
 

A ADI ajuizada pelo governo Dilma contra a Emendas Constitucionais que garantiram a autonomia instalaram um pé-de-guerra com a Defensoria Pública da União. Abaixo artigos dos defensores

Luiz Henrique Gomes de Almeida*, Márcio Melo Franco Júnior* e Vinícius Diniz Monteiro de Barros*, que encaminharam ao Sem Juízo:
 
 
“Defensoria Pública da União: entre a retórica e a ação de um governo inimigo”
 
 

Desde a Constituição de 1988, tanto o Judiciário quanto as Funções
Essenciais à Jurisdição experimentaram avanços, mas em diferentes graus.
Comparada ao Judiciário, ao Ministério Público e à Advocacia Pública, a
Defensoria Pública sempre foi tratada como o “patinho feio” do sistema, a
última a merecer estruturação e investimentos, para o adequado desempenho de
seu múnus.

 

A EC 45/2004 operou uma grande reforma do sistema jurisdicional, nele
incluindo importantíssima norma, que conferiu autonomia financeira e
orçamentária às Defensorias Públicas Estaduais. Uma instituição que litiga
quotidianamente contra o poder público, em favor do cidadão necessitado, não
pode depender desse mesmo poder público para sustentar-se financeiramente,
expandir-se, atingir os grotões do país, nem dele sofrer qualquer tipo de
ingerência, do contrário fica frustrada sua razão de ser. Jamais interessará ao
poder central bem estruturar uma instituição que a ele se contraponha.

 

Ocorre que a EC 45/2004 conferiu autonomia financeira e orçamentária só
às Defensorias Estaduais, e não à Federal. O Executivo Federal, à época,
posicionou-se claramente pela manutenção da DPU sob as rédeas do governo. Com isso,
criou-se uma situação inconstitucional: era como se o interesse do brasileiro
necessitado dos serviços da Defensoria Pública da União valesse menos do que o
daquele dependente dos serviços da Defensoria Pública do Estado. Nos debates
parlamentares da época, o então Senador (hoje Ministro da Casa Civil) Aloísio
Mercadante prometeu que a autonomia da DPU seria aprovada em breve, com o apoio
do governo, empenhando sua palavra.

 

Em 2007, o Tribunal de Contas da União decidiu que a DPU deveria contar
com 1.200 membros para exercer minimamente sua função, expedindo recomendação
ao Executivo nesse sentido. A DPU não contava nem com 300 membros e não tinha
atingido sequer as capitais dos Estados federados, situação ocorrida apenas em
2008, com o 3.º concurso da instituição em 14 anos. Hoje, a DPU tem cerca de
540 membros em atividade…

 

A contribuição da EC 45/2004 foi finalmente complementada pelo Congresso
Nacional com a EC 74/2013. Esta, por sua vez, estendeu à Defensoria Pública da
União a autonomia orçamentária e financeira já reconhecida às Defensorias
Públicas Estaduais. Em 2014, o Congresso Nacional aprovou a EC 80/2014 e
conferiu aos Estados e à União o prazo de 8 anos para lotar um defensor público
onde houver um juiz. Para isso, incumbiu de iniciativa legislativa os
Defensores Gerais, permitindo-lhes regulamentar a carreira dos defensores
públicos e as carreiras de apoio à instituição. O governo Dilma Rousseff, a
despeito das promessas do então Senador e hoje Ministro, sempre se posicionou
contrariamente tanto à EC 74/2013 quanto à EC 80/2014, enfrentando seguidas
derrotas no Parlamento, vez que a própria base aliada era (é) entusiasta das
potencialidades democráticas da Defensoria Pública. Unido, da oposição à
situação, exceto o governo, o Parlamento, órgão realmente empenhado em estender
o serviço de assistência jurídica aos pobres no país, trabalhou para o
fortalecimento da Defensoria Pública como política de Estado
constitucionalizada, e não capricho desta ou daquela gestão.

 

Hoje, 10/04/2015, a presidente da República, por meio da Advocacia-Geral
da União, protocolou a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5296, argumentando
vício de iniciativa da EC 74/2013 e requerendo medida liminar urgente para
suspender sua eficácia, apesar de vigente há quase dois anos. A PEC que
resultou na EC 74/2013 foi deflagrada por 1/3 dos Senadores, com lista
encabeçada pela Senadora Vanessa Grazziotin, PC do B/AM, da base do governo, e
foi aprovada à unanimidade em ambas as casas legislativas. A tese estapafúrdia
da ADI é de que autonomia se inclui no regime jurídico do servidor público,
para cujo tratamento se exige iniciativa de lei exclusiva do Executivo, não
podendo o Legislativo propor Emenda Constitucional a respeito.

 

Ora, em primeiro lugar, não há restrição temática de iniciativa para
Emendas Constitucionais. Os legitimados à sua propositura o são a título
universal, podendo suscitar alterações no texto da Constituição em qualquer
matéria, resguardados os limites do art. 60, § 4.º. O que o STF veda, por iterativa
jurisprudência, é o uso fraudulento da Emenda à Constituição para que o
Parlamento contorne a iniciativa privativa do Executivo em determinadas
matérias. Aqui, o segundo ardil do governo: a definição de autonomia da DPU
como parte do regime jurídico de servidores públicos beira a má-fé. A autonomia
de órgãos e instituições constitucionais não é tema de regime jurídico de
servidores, mas de organização política do Estado. A organização política do
Estado é matéria constitucional por excelência, ao lado dos direitos
fundamentais. A engenharia de Estado e o fortalecimento de Instituições estão a
cargo do poder constituinte reformador, no Parlamento, e não dependem de
qualquer iniciativa do Executivo. Confundir esses dois temas é absurdo.

 

Mais: se o titular do poder constituinte reformador, o Parlamento,
entende por conferir autonomia a determinada instituição em face do Executivo,
para que ela melhor exerça sua função, não há sentido em exigir que o próprio
Executivo seja o árbitro primeiro dessa questão, com a tese da iniciativa
privativa para PEC. Se assim o fosse, a engenharia de Estado e a organização
política-constitucional da República estariam a cargo do Executivo, não do
Parlamento, a indiciar uma perspectiva centralizadora e nada democrática do assunto…

 

E o que dizer das inúmeras Emendas à Constituição, de iniciativa do
Executivo e do Legislativo, que alteraram a conformação do Judiciário e do
Ministério Público, também autônomos? Serão todas arrastadas para a vala da
inconstitucionalidade, face ao mesmo vício? Eis o caso, entre outros, da EC
45/2004, de iniciativa do Parlamento: é o fim do CNJ, do CNMP, das novas
atribuições do Judiciário Trabalhista? Ao mirar o enfraquecimento e o
sepultamento da DPU, a ADI 5296 consagrará argumento para nulificar todas as
reformas do sistema jurisdicional brasileiro nos últimos vinte anos?

 

A atuação da DPU interessa ao governo. Nos discursos. Em discurso de
16/10/2012, a presidente Dilma Rousseff anunciou aumento da Defensoria Pública
da União para 200 sedes ou cidades, até 2015
(http://www.conjur.com.br/2012-out-17/notas-curtas-dilma-anuncia-ampliacao-defensoria-publica-uniao).
Em 2015, não há mais do que 80 sedes… Já ao discursar na cerimônia de
promulgação do novo CPC, a presidente da República destacou que eram pontos
fortes do texto a expansão da assistência jurídica aos necessitados e o
fortalecimento da Defensoria Pública
(http://blog.planalto.gov.br/novo-codigo-significa-mais-justica-para-todos-num-pais-menos-desigual-e-mais-exigente-afirma-dilma/).
No entanto, nenhuma novidade sobre a estrutura e o desenvolvimento concreto da
Defensoria Pública há, nem poderia haver, no CPC. O discurso retórico de S.
Exa. não faz mais do que tirar proveito, sem contrapartida, da boa imagem da
Defensoria Pública, a instituição mais bem avaliada do sistema jurisdicional
brasileiro, segundo pesquisa promovida pelo CNMP
(http://www.adpeto.org.br/site/defensoria-p%C3%BAblica-%C3%A9-institui%C3%A7%C3%A3o-mais-bem-avaliada-no-funcionamento-da-justi%C3%A7a-no-brasil).

 

O que se vê, lamentavelmente, é que o governo Dilma Rousseff, inimigo
figadal do crescimento da DPU e da assistência jurídica aos necessitados no
Brasil, para além do mero discurso, comporta-se, neste tema, como soldado que
morre atirando. Derrotado seguidas vezes no Parlamento e sob a orientação
jurídica equivocada de um Ministro AGU em dificuldades com a gestão da própria
carreira (http://unafe.org.br/index.php/nota-publica-21/), de membros
justificadamente insatisfeitos com anos de desvalorização, vale-se de todos os
meios institucionais, agora recorrendo ao STF, para que a DPU não avance, não
se desenvolva, não abra novas sedes, não preencha os mais de 700 cargos vagos,
não tenha carreira de apoio, não seja autônoma e, com isso, não atinja os que
dela mais precisam! E, ao contrário do que os maus assessores de S. Exa. possam
afirmar, as vítimas maiores desse fatídico tiroteio não são os defensores
federais que, de atestada competência por exigente concurso público, se podem
voltar a qualquer tempo para outras carreiras públicas ou privadas, mas os
dependentes do serviço de assistência jurídica integral, gratuita e de
qualidade no Brasil, grande parte dos quais sem vislumbre de direitos para além
de bolsas de subsistência… aqueles mesmos que a signatária da ADI
propagandeia priorizar em seu governo…

 

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Luiz Henrique Gomes de Almeida

Prêmio Barão do Rio Branco na FDUFMG (1.º/2009)

Defensor Público Federal em Belo Horizonte

 

Márcio Melo Franco Júnior

Especialista em Filosofia Contemporânea pela PUC Minas

Defensor Público Federal em Belo Horizonte

 

Vinícius Diniz Monteiro de Barros

Especialista em Direito Público pela UCAM, Mestre e Doutorando em
Direito Processual pela PUC Minas. Professor da PUC Minas.

Defensor Público Federal em Belo Horizonte
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