….satisfação com Judiciário piorou com reforma….

Seis anos depois da reforma, satisfação do Judiciário só piora. Concentração de poderes nos tribunais superiores não resolveu crise de eficiência e agravou crise de legitimidade

Em recente pesquisa do IPEA que apura a percepção popular sobre o funcionamento do Judiciário, a Justiça tirou apenas nota 4,5.

Não é um fato isolado.

Outros dados também recentes, como levantamentos da Fundação Getúlio Vargas, têm demonstrado que o prestígio dos juízes na sociedade está em declínio. Neste dezembro, completamos seis anos da Reforma do Judiciário e talvez seja o momento de se perguntar: o que é que deu errado?

Um dos méritos da pesquisa do IPEA é ter se proposto questionar a legitimidade, por quem e para quem serve a decisão, ao invés de se limitar ao tema da eficiência, que toma boa parte das discussões nos últimos anos.

O Conselho Nacional de Justiça, formatado para ser um instrumento de controle externo, enveredou-se para a criação de metas, como se estivéssemos em uma empresa privada. Circunscreveu os problemas do Poder a questões de organização e método, e ainda mantém a ingenuidade de querer modernizar a Justiça, sem democratizá-la.

Embora a reforma do Judiciário tenha sido vendida para a população com o pretexto de agilizar processos, seu maior efeito foi um aumento da concentração de poderes nos tribunais superiores. Não por acaso, justamente aqueles cujo preenchimento de cargos é integralmente feito pelo chefe do Poder Executivo.

Movida com base em estudos do Banco Mundial, a reforma pretendia assegurar competitividade ao país, por intermédio de maior uniformização da jurisprudência, produzida de cima para baixo. Buscava-se evitar, sobretudo, que decisões de juízes pudessem inviabilizar planos de governo.

Como resultado, a independência do juiz vem sendo continuamente esvaziada. Forjou-se um tribunal tão supremo que é capaz de produzir até mesmo súmulas com força de lei, com o consenso de apenas oito pessoas.

Mas é provável que residam justamente no STF as maiores críticas da sociedade.

De todas as reclamações captadas nas pesquisas, a que mais incomoda é a percepção de que o Judiciário trata diferentemente situações de ricos e pobres, ou que de alguma forma reproduz a desigualdade social.

É verdade que parte do problema se deve à estrutura legal que conspira contra a isonomia.

A permanência do foro privilegiado, herança do absolutismo, é um sinal revelador. O fato de que as autoridades submetam-se a um juiz diferente, de acordo com seu cargo, é uma distinção inconcebível na democracia.

O foro privilegiado não foi extinto na reforma do judiciário e os parlamentares, ao contrário, ainda pretendem aumentá-lo para os casos de improbidade administrativa.

As interpretações judiciais sempre prestigiaram a idéia do privilégio, mesmo quando havia dúvidas jurídicas, como nos casos de homicídio que pela própria Constituição deveriam ser julgados em Júri popular. O entendimento é que isso nunca valeu para as autoridades.

Além de esvaziar a interpretação da igualdade, os juízes reproduziram essas regras anacrônicas nos regimentos de seus tribunais, de modo a formar castas internas, com normas incompreensíveis como a de desembargadores que não são fiscalizados pelas corregedorias.

A conspiração contra a igualdade é mais perceptível ainda na legislação penal.

O direito mais bem tutelado por nossos códigos é a propriedade privada. Um furto de rádio de carro é tão grave quanto a violenta agressão que deixa seqüelas permanentes na vítima. Uma ameaça de roubo com um dedo debaixo da camisa é mais severamente punida que a corrupção em uma grande licitação. E até o seqüestro, privação da liberdade, só é grave se envolver pedido de resgate.

Não bastasse isso, como se sabe, o aparato policial vigia e fiscaliza com muito mais intensidade as atitudes suspeitas cometidas a olho nu. A parte expressiva do trabalho da polícia se dirige a revistas de pessoas de poucos recursos. Não é de se estranhar que as cadeias estejam repletas de pobres. Estes devem provar a cada dia sua inocência, ao passo que demonstrar a culpa de um criminoso de gabarito é uma tarefa quase hercúlea.

As decisões judiciais que envolvem prisão e liberdade não se distanciam muito desse quadro legal; antes, a reproduzem.

E a insuficiência de cargos nas Defensorias Públicas país afora agrava ainda mais a delicada situação dos carentes em contato com a Justiça.

Enquanto direitos humanos não são prioridades no ensino jurídico, e tampouco nos concursos públicos ou nas escolas de magistratura, a precarização dos direitos sociais corre solta, com a expressa anuência do STF, cada vez mais complacente com a flexibilização da legislação trabalhista.

Internamente, a inversão de valores não é muito diferente.

Embora o CNJ jamais tenha questionado seminários de juízes patrocinados por bancos, interessados em decisões judiciais, formulou um código de ética limitando aos magistrados a participação em entidades beneficentes. Persevera numa ótica típica de bedel de colégio interno, tenaz contra as demonstrações de liberdade, tíbio em relação ao exercício promíscuo do poder.

O esvaziamento da primeira instância, a mais profissional do Judiciário, aquela que é preenchida somente por concursos públicos, e o sufocamento da independência judicial, não resolveram a crise de eficiência do Poder Judiciário e ainda tornaram mais aguda a crise de legitimidade.

Desta última, infelizmente, não sairemos sem quebrar as nossas próprias oligarquias, nem abrir mão de privilégios injustificáveis.

[conheça as colunas do blogueiro, no Terra Magazine]

4 Comentários sobre ….satisfação com Judiciário piorou com reforma….

  1. Álvaro Barros 9 de dezembro de 2010 - 20:11 #

    Nos últimos dias lendo uma coluna, encontrei seu texto, estou feliz por suas visão clara do que estamos vivendo, tomei a liberdade de copiar o seu texto, para que meus alunos debatam em sala de aula, seus ensinamentos.

    a luta pela educação é a única saída.

    http://www.professoralvarobarros.blogspot.com

  2. Anônimo 10 de dezembro de 2010 - 00:20 #

    Perfeito; é isso ai. A lei é o limite do juiz – essa a politica atual do judiciário. Na prática, pra quem sabe manusear os recursos/apelações disponíveis até o extremo limite, concretiza o antigo sonho da oligarquia: aos amigos tudo, aos inimigos: a lei. (Sidney)

  3. Marcelo Semer 9 de janeiro de 2011 - 02:20 #

    Álvaro, compartilhe. Querendo, tb me mande material.
    Sidney: seus comentários já estão a merecer um post.

  4. cid cancer 6 de abril de 2011 - 16:21 #

    Marcelo, excelente seu artigo, com foco certeiro no que hoje é a grande questão pro cidadão comum: a quem serve a Justiça?
    Por conta de nosso papo no twitter, no qual reclamava da justiça, tachando-a de 'câncer', e sua reação, indicando este texto, pude entrar em contato com seu blog.
    Vou segui-lo e virar freguês. Parabéns. Um abraço.