….caso Battisti revela contradições e disputa de poder….

Atuação do STF na extradição sempre foi garantista: evitar entrega que não estivesse dentro da lei. Hoje serve como disputa de poderes institucionais.

Foi no recesso forense que o então presidente do STF, Gilmar Mendes, concedeu a liberdade ao banqueiro Daniel Dantas, agindo como único juiz na Corte em férias.

Foi no mesmo recesso forense que Gilmar concedeu, liminarmente, liberdade provisória ao médico Roger Abdelmassih, posteriormente condenado a 278 anos de reclusão por variados crimes sexuais.

No caso de Cesare Battisti, no entanto, o atual presidente do STF, Cezar Peluso, já obstou qualquer discussão: disse que vai esperar o retorno dos demais ministros, em fevereiro.

Enquanto isso, Battisti continua preso em uma situação no mínimo inusitada. Sua prisão é cautelar e serve para garantir o processo de extradição. Mas a extradição acabou de ser negada pelo presidente da República.

Historicamente, os juristas sempre entenderam que a decisão final sobre a extradição pertencia ao presidente, porque é dele a responsabilidade de manter relações com os Estados estrangeiros.

A participação do STF, para julgar as extradições, sempre teve, marcadamente, um sentido de garantia.

O Supremo analisa se o pedido de extradição do país estrangeiro preenche os requisitos legais, de acordo com a nossa legislação. Se não preencher, o pedido é indeferido de plano. Já aconteceu com países que pretendiam aplicar a pena de morte ao extraditando. Apenas se o pedido estiver juridicamente perfeito, e compatível com os nossos princípios, é que deve ser levado à decisão do presidente.

Ou seja, a decisão do STF seria necessária, mas não suficiente para a extradição.

O próprio Supremo já tinha precedentes entendendo que a entrega do extraditando era de responsabilidade do presidente da República.
Mesmo assim, tornou-se a discutir a questão no caso Battisti, pela repercussão política que tomou conta do processo. A conclusão foi igual: a decisão é do presidente.

O ministro Cezar Peluso não concordou.

Não concordou com o refúgio concedido pelo governo brasileiro. Só este ato seria suficiente para ter arquivado o pedido de extradição, segundo o procurador-geral da República.

Peluso não concordou com a tese, historicamente consensual, da competência de extradição pelo presidente da República.

E, ao que tudo indica, pelo que se lê na imprensa, tampouco concordou com a decisão do presidente da República de não extraditar o italiano, apesar da concessão da medida pelo STF.

Por estes motivos, supõe-se, Battisti continuará preso.

Há quem veja na decisão de Lula um quociente de ideologia –Battisti foi membro da luta armada, em organização de esquerda, na Itália. Há quem considere, na questão, a herança do tradicional papel do país de conceder asilos e refúgios, que já alcançou de guerrilheiros a ditadores.

Discordar da decisão, no entanto, não significa esvaziá-la.

Os que defendem cassar esta competência do presidente da República em decidir a extradição, procuram se fundar na existência de um tratado internacional com a Itália, e a obrigatoriedade de seu cumprimento –mas o tratado tampouco elimina a competência do presidente.

Curiosamente, na questão dos crimes da ditadura, o STF ignorou tratados que o país havia assinado, reconhecendo a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, e sua vasta jurisprudência contrária a anistias de atos de barbárie.

A Justiça é cega, mas não pode ser caolha.

O papel desempenhado pelo STF nos últimos anos merece aplausos em inúmeras questões, principalmente ao propor uma leitura constitucional das nossas leis, muitas delas provenientes de entulhos autoritários.

Em certos casos, nossa Suprema Corte espalhou lições de garantismo a juízes resistentes em assumir sua função na proteção de direitos fundamentais.

Mas é preciso cautela para evitar uma hipertrofia dos poderes do tribunal.

Com as súmulas vinculantes, os ministros já usurparam funções naturais do Legislativo, contando para isso com a expressa anuência, ou quem sabe incompreensão, dos próprios parlamentares.

A discussão, agora, é saber se os ministros também poderão tomar para si a última palavra em questões que envolvem diplomacia e relações internacionais, tradicionalmente afetas ao presidente da República.

O que está em jogo no caso, portanto, não é apenas o resgate do passado italiano, mas o futuro da divisão de poderes no Brasil.

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3 Comentários sobre ….caso Battisti revela contradições e disputa de poder….

  1. Anônimo 5 de janeiro de 2011 - 13:19 #

    Como sempre uma opinião esclarecedora; e isenta no máximo possível, mas não absolutamente isenta, até porque a matéria não permite essa posição.
    Resta desculpar-me pelo comentário anterior. Esqueci velha lição de casa: "manifeste-se para ser visto, fale claro para ser entendido, seja breve para ser tolerado e saiba calar a boca para ser admirado".
    Um abraço.

  2. Marcelo Semer 5 de janeiro de 2011 - 18:31 #

    Coloque o nome (ou o Blog) no comentário. Assim fica mais fácil de entender a sequência. E isenção não é atributo nem da política, nem do direito….

  3. J.L.Tejo 19 de janeiro de 2011 - 18:56 #

    Excelente postagem.

    A teimosia do STF em libertar Battisti (que está preso ilegalmente, até agora) não tem base jurídica: é política. É a direita raivosa, no Brasil e na Itália, que está unida nesse linchamento.