….cresce pressão pela criação da última Defensoria….

Reagir à defensoria é reagir ao acesso à justiça, reagir à redução de desigualdades, reagir aos direitos humanos

Os olhos do acesso à justiça estão agora focados em Santa Catarina.

Depois da aprovação da lei que criou a Defensoria Pública no Paraná, o Estado catarinense é o único do país que ainda não cumpriu a determinação que a Constituição impôs há mais de vinte anos.

A pressão de entidades da sociedade civil levou à realização de uma audiência pública na Assembleia Legislativa, para tornar explícita essa cobrança. Mas ainda não há projeto enviado pelo governo.

O Estado resiste, apresentando como fundamento a existência de convênio com a OAB para contratação de advogados dativos, mas o modelo está bem distante daquele que é exigido pela Constituição Federal.

A Defensoria Pública é a principal porta de acesso à justiça -desprezá-la ou enfraquecê-la é atentar contra direitos dos mais humildes, cujo respeito, aliás, não é propriamente uma tradição no país.

As dificuldades dos pobres já são imensas, não precisam ser ainda mais enrijecidas.

O universo legal está repleto, aliás, de privilégios aos que menos necessitam, como bancos e agentes públicos de primeiro escalão. O direito penal que tutela especialmente a propriedade favorece desde logo a criminalização da pobreza.

A desigualdade de armas que a ausência de uma defensoria estruturada provoca apenas agiganta o fosso da diferenciação.

A concepção de Defensoria Pública criada pela Constituição e as leis orgânicas que se sucederam não se restringem apenas à episódica assistência judiciária -a nomeação de advogado para um caso judicial.

A Defensoria abrange a assistência ao necessitado também fora do juízo, a educação para a cidadania (quem não sabe que tem direitos, certamente não os persegue) e o ajuizamento de ações civis públicas, de âmbito coletivo.

Abre, ademais, uma interface, por meio de conferências, com entidades da sociedade civil, para a determinação das prioridades da instituição, de acordo com as necessidades diagnosticadas.

Em resumo, uma política de assistência jurídica integral e não apenas um serviço improvisado, que tenha como centro a reserva de mercado para advogados. Defensoria é uma carreira constitucional, tida como essencial à justiça. Não pode ser tratada como apêndice da Ordem dos Advogados.

A falta de Defensoria Pública em Santa Catarina está longe de ser, todavia, uma deficiência isolada.

No Paraná e em Goiás, a instituição ainda não se encontra instalada.

E em muitos Estados, o volume de defensores é significativamente inferior ao de promotores e juízes, e incapaz de atender a enorme carência -inclusive e principalmente em São Paulo. O Estado mais rico da federação tem um número irrisório de profissionais para a dimensão de seus necessitados, demonstrando um atávico desprezo às questões sociais.

Não é á toa que conselheiros do CNJ realizam com frequência mutirões carcerários pelo país e encontram centenas de presos que, por falta de uma defesa presente e efetiva, ficam mais tempo nas prisões do que seria necessário.

O Conselho Nacional de Justiça precisa entender que acesso à justiça não se faz de forma episódica ou eventual -pois as situações voltam à estaca zero, após suas visitas.

O fortalecimento das Defensorias Públicas também é importante para incorporar ao Judiciário demandas dos mais pobres, principalmente levando em consideração que juízes hoje aceitam discutir políticas públicas por meio de processos.

Quem mais teria carências para exigir do Estado, se não aqueles que de quase tudo necessitam?

Reagir à defensoria é reagir ao acesso à justiça, reagir à redução de desigualdades, reagir aos direitos humanos.

Reagir à democracia, enfim.

Leia também: Defensoria Pública em Santa Catarina (entrevista ao Portal Joinville)

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2 Comentários sobre ….cresce pressão pela criação da última Defensoria….

  1. Anônimo 14 de julho de 2011 - 00:47 #

    Perfeito. A gente sempre comenta que é necessário, para um país melhor, com melhor distribuição de renda, a conscientização do cidadão. Mas fica-se apenas na teoria. Falta apontar o caminho. Embora o traçado já esteja na Constituição, é preciso realizá-lo. As defensorias é parte da solução. Não é possível mais adiar. Quem é contra é porque não deseja que, (nem vou dizer o "pobre"), a pessoa não conscientizada e participativa continue assim, porque quem deseja um direito, vai ter que dividir com alguém. E quem está com a maior fatia não vai querer largar seu naco sem reclamar. Os convênios com as OABs é ruim para todos: para os advogados, para os defensores e para o cidadão. Todo mundo sai perdendo um pouco. E nesse pouco, além de dinheiro, perde-se também a vergonha de aceitar gorjetas, como os "flanelinhas". No estado de São Paulo, cuja parceria conheço um pouco (muito pouco, diga-se), a coisa funciona mais ou menos assim. Exemplo, uma mulher que não recebe pensão alimentícia do filho. Hoje ela procura o convênio, é atendida e lhe é indicada um advogado. É mais ou menos comum que ela já chega atrasada, ou seja, tem três meses para receber (não sei porque cargas d'água cismaram com esses três meses… mas é a idéia comum). Como também é comum que ela receba mais ou menos por mes 1/3 do salário minimo, ou seja, cerca de R$150,00, o advogado entra para cobrar R$450,00, na base do paga ou vai pra cadeia. Como passarinho só canta na gaiola, o devedor (já tá escolado), escapa dali e daqui da citação. Se for encontrado ele procura o convênio, para lhe nomear um advogado para defesa. Não há defesa. Ou paga ou canta na gaiola. Esse "defensor", é mais ou menos (também) comum justifica-se para o juíz, para ganhar tempo (pra quem não quer pagar qualquer desculpa serve) e procurar o outro "defensor" para um acordo. Enquanto os dias passam, a mãe tem que se virar como pode para colocar comida na boca dos passarinhos. Para isso vai contando com ajuda dos parentes, dos amigos, da assistência social, etc e tal. Bem, estavamos lá com os dois "defensores" conversando para um acordo. Bem, é comum que este acordo saia na véspera do devedor ir em cana. Mais ou menos, combinam pagar e receber em duas vezes. Uns R$150,00 à vista, pra se livrar do xilindró e uma promessa de pagar outros R$150,00 depois de 30 dias. Feito o acordo, extingue-se o processo. Cada defensor recebe pelo seu "trabalho" mais ou menos trezentas merrécas; ou seja, o Estado desembolsa seiscentas merrécas, paga ainda o Juiz, o promotor, o oficial de justiça, os escreventes, as faxineiras, a luz, a água, o vigia noturno, os papéis, os computadores, etc, etc, etc. E a mãe, com o filho pra alimentar, recebe cento e cinquenta. Claro… mais a esperança de que, talvez um dia, se tudo correr bem, receber os outros cento e cinquenta. A novela é mais ou menos essa e se repete todos os dias, na base do "vale a pena ver de novo". Vale mesmo? Tá bom assim? A sociedade parece que se acomodou e conformou com a situação. Como se diz… a gente se acostuma a tudo. Mas não devia. Um abraço (Sidney, aquele que um dia ainda vai aprender o que é URL)

  2. Bruno Vivas 14 de julho de 2011 - 15:41 #

    Perfeito. Trabalhei no Ministério Público Federal no Espírito Santo e sugeri ao Procurador o ajuizamento de uma ACP visando à implantação de um núcleo da Defensoria Pública na subseção judiciária. A antecipação de tutela foi indeferida sob a alegação de existência de verba prevista no orçamento do Poder Judiciário para o pagamento de advogados dativos…
    Espero que esse tema – instalação de Defensoria por meio de ACP – chegue ao STF e não seja afastado com a velha argumentação do mérito administrativo, mas que se empregue o mesmo entendimento quanto a instituição de creches pelo Poder Público: é obrigação do ente, não havendo qualquer discricionariedade.