….Legitimidade das UPPs….

Pacificação é culto aos fins que justificam os meios

Recebi o artigo que segue do advogado e professor Thiago Minagé -foi publicado originalmente na Revista Estado de Direito, n. 32.

Minagé questiona “o uso indiscriminado e rotineiro de fundamentações que usam expressões com meros apelos retóricos” em decisões judiciais e discute a legalidade das ações que resultaram nas chamadas UPPs: “O Estado sob a ale¬gação de que está colocando um fim à criminalidade, ao estado paralelo que não respeita a ordem jurídica vigente, comete os mesmo erros e pratica os mesmos atos que as ‘forças que o antecederam’ praticavam”.

Legitimidade das UPPs cariocas, Thiago Minagé*

No último dia 27/09/2011, em reunião da 2ª Turma do STF, o Ministro Luiz Fux, em decisão proferida no HC, de n. 106963/MG, reiterou a necessidade de se demonstrar a real e efetiva neces¬sidade da restrição de direitos. O mais espantoso é que, desde 1988, é mandamento constitucional no art. 93, IX da CRFB que todas as decisões serão fundamentadas “ …Sob pena de nulidade…”.

Ocorre que, o uso indiscriminado e rotineiro de fundamentações que usam expressões com meros apelos retóricos são cada vez mais comuns e violam cada vez mais direitos e garantias constitucionais con¬quistadas por nossa sociedade em verdadeira afronta ao Estado Democrático de Direito. Exemplo extre¬mamente claro se dá nas localidades cariocas onde se implantou a denominada – Unidade de Polícia Pacificador UPP – sob afirmação e fundamentação de trazer a paz social onde reinava a desordem total.

A ideologia da medida é acabar com o deno¬minado poder paralelo, que cria as próprias regras, decide como aplicá-las e, por fim, as executa. Mas o que está acontecendo, senão exatamente a mesma coisa? Domicílios são invadidos sem qualquer ordem judicial fundamentada, bastando apenas a vontade do representante do Estado que ali está. Homens, mulheres e crianças são revistados indiscriminada¬mente, sendo submetidos a vexames diários. Festas são proibidas ou quando muito autorizadas conforme critério subjetivo do representante do Estado, mas com hora para acabar. Desapropriação de imóveis com indenizações irrisórias (para não dizer ridículas) de forma indiscriminada e pouco se importando qual o impacto na vida da pessoa “desalojada”.

Fica o questionamento: Será que existe alguma decisão judicial devidamente fundamentada que justifique todas essas medidas? O Estado sob a ale¬gação de que está colocando um fim à criminalidade, ao estado paralelo que não respeita a ordem jurídica vigente, comete os mesmo erros e pratica os mesmos atos que as “forças que o antecederam” praticavam. Usam da força, criam critérios conforme o momento e executam aquilo que entendem melhor. Um verdadei¬ro culto ao “…os fins justificam os meios…” ao ponto de remeter a uma expressão de Zaffaroni que ao ser indagado sobre o futuro do direito penal afirmou que: “A Legislação vai agravar mais, vamos fazer mais besteiras, vamos agredir mais a racionalidade e o ser humano. Talvez o povo vai descobrir que os políticos estão vendendo ilusões. Esse direito vai delimitar mais nossas liberdades. É isso que tentam fazer com o pretexto de dar mais segurança”.

Como admitir todas essas atitudes sem o devido processo legal? Como conceber a violação/restrição de direitos da pessoa humana sem uma devida decisão judicial fundamentada? Aceitar todas essas indagações sem ao menos questioná-las estamos diante de um verdadeiro “Estado de Exceção” con¬forme bem definido por Giorgio Agamben como “… a forma de legitimar aquilo que não é legítimo…”

Acabar com a criminalidade deve começar com uma estruturação social competente, educando nos¬sas crianças, possibilitando inclusão social aos mais necessitados e não limitando os direitos inerentes às pessoas de forma ilegal e arbitrária.

Reconhecer o dever de fundamentação das decisões judiciais, como requisito legitimador da atividade jurisdicional no seio do Estado Democrá¬tico de Direito, requer também o fortalecimento das instituições políticas e democráticas, a ampliação da cidadania ativa e o desenvolvimento dos instrumentos de deliberação pública. Logo, inevitável o reconheci¬mento da ilegalidade dos atos estatais praticados no interior das comunidades “premiadas” com a invasão do Estado. Invasão esta que não limitou-se apenas ao âmbito social/territorial indo portas adentro nos lares dos moradores sem ao menos pedir licença. Com o atual quadro social apresentado, apenas uma atuação respeitosa por parte do Estado (judiciário) contendo o próprio Estado (executivo) para frear as arbitrarieda¬des e recompor a ordem jurídico/democrática.

* Thiago Minagé é Advogado. Professor de Direito Penal e Processo Penal da Graduação e Pós-Graduação. Autor da obra “Da prisão, das medidas Cautelares e da liberdade provisória” pela EDIPRO.

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