….olhar e ver o direito….

ver o direito nos mostra leis;olhá-lo, justiça

O artigo que segue é uma visão do jovem, voz e olhos do estudante. Graduando da Univem (Marília), estagiário do Judiciário e leitor do Sem Juízo, Eder Pires da Fonseca ofereceu o texto com o qual, percebe-se, já aprendeu que o direito não se esgota na lei. Só não vê quem não quer…

Sobre como olhar (o) Direito, Eder Pires da Fonseca

O Direito autêntico e global não pode ser isolado em campos de concentração legislativa, pois indica os princípios e normas libertadores, considerando a lei um simples acidente no processo jurídico, e que pode, ou não, transportar as melhores conquistas – Roberto Lyra Filho

Quando analisamos uma profissão, logo nos vem ao pensamento sua representação mais corriqueira. Assim, ao olhar o médico, vislumbramos a doença e sua possível cura; para os engenheiros, a estrutura da construção; para o arquiteto, os traços do concreto; para o direito, as leis. E tal impressão primeira ocorre diariamente com quase tudo que observamos.

Entretanto, sob essa reflexão primeira, esconde-se o caráter multifocal de formação do ser humano, em geral, e do indivíduo, em específico. É preciso, portanto, analisar o olhar, e não somente executar o ver, pois, apesar de sinônimas, olhar e ver remetem a situações quase opostas. Assim, enquanto ver significa apenas captar uma imagem (seja ela verbal, escrita ou visual), tal como ela nos chega, olhar é o modo como uma informação, um conteúdo etc., é processado por nossas retinas e analisado sob o crivo dos nossos valores. Reproduz, sem processar, guardar, sem refletir.

Façamos um exercício de imaginação tendo como norte esses dois conceitos. Para um bacharel em direito, seus ferramentais de trabalho são as leis. Observemos o Direito por ser a opção que escolhemos para fixar o mundo. Posto isso, tudo passará a ser analisado seguindo essa ótica das leis. As análises dos fenômenos da experiência diária se darão, em mais clara percepção, do seguinte modo: “é o seu direito”; “é o meu direito”, “pode entrar com uma ação”; “você está sendo lesado”; “ele é culpado”; “eu sou inocente”; “ele é um marginal”; “é necessária a pena de morte”. De certa forma, não vamos negar que grande parte da prática forense refira-se à leis, e que tais indagações são pertinentes.

O problema remete-se justamente ao dualismo olhar e ver pois, ao colarmos o direito às leis, apenas apresenta-se sua aparente impressão, deixando de lado o olhar, e seu contexto sociocultural, político, filosófico, jurídico e, sobretudo, a razão de sua existência.

E, por isso, ao mirarmos as retinas para o mesmo fenômeno das relações jurídicas, podemos transcendê-las, tendo em vista a captação crítica do direito. O direito busca as leis? Isso é incorreto, todos sabemos. O direito é um conjunto de leis, subdividido em ramos específicos: o trabalhista, o penal, o cível, o administrativo, os processuais. E. afora as especificidades de cada ramo, existe de comum entre todos que a criação das leis fundam-se no pacto democrático que fizemos em sociedade, a fim de buscar a proteção quando determinadas regras não são cumpridas e, desse modo, encontrar o ideal de justiça.

É por isso que, ao VER o direito, encontraremos apenas leis, e ao olharmos, encontraremos o ideal de justiça, respaldado por todas as garantias individuais que nos são oferecidas, e toda a força motora (impulso legislativo, por exemplo) que existe na criação de leis.

E mudar o olhar, não quer dizer que se alterará a existência de um fato. Por exemplo, dentro do olhar o Direito, pelo ramo Penal, por mais fácil didática. Assim, o furto, continuará na sua configuração do artigo 155; o roubo, correspondendo ao art. 157; o homicídio, art. 121; o estelionato, 171. Tampouco as penas cominadas ou os regimes (fechado, aberto, semiaberto) sofrerão alterações. Podemos dizer, então, que as modificações serão referentes a visualizar, de modo geral, as causas de origem desses tipos penais (vernáculo jurídico).

Retomando a nossa análise, se vermos um crime, por exemplo, verificaremos um dano e um clamor social pela reparação desse dano. Entretanto, se olharmos para além de um crime, existe um autor, existe a vítima, as partes do processo, e o Estado-juiz, que busca aquele ideal de justiça, para garantir os direitos de cada um, que garante o de todos. E para além de todos esses, existem os princípios caros ao direito, e os que permeiam o direito, a ética, a moral, os problemas econômicos, os problemas de cultura, os problemas de informação, as distorções dos valores sociais etc.

Seja como parte acusadora, seja como a defesa, seja como o Estado-Juiz, é possível modificar nossa percepção, e olhar? Por que mudar? Para olharmos que a intenção das punições a crimes, destina-se a coibição, a ressocialização etc. Por isso, mudar o olhar, aqui, nos remeterá para além de um processo, mirando ao que existe anterior ao “iter criminis”. Pode, também, ser um olhar dentro do próprio Direito, posto que essa aparente visualização para “fora” do direito, ou seja, a vida, as causas, é um olhar sobre o próprio, pois fundado nas garantias a que todas têm direito, e as origens de toda a movimentação judiciária.

Porque, podemos perceber que, todo processo, seja criminal, civil, ou reclamação trabalhista, é fruto de um desajuste social, pois que se buscamos a justiça, a injustiça deve ter ocorrido.

Direito, no topo da pirâmide do ordenamento jurídico, preconizado pelas garantias constitucionais.

E é por tudo posto que, para mudar como enxergamos, é preciso mudar o modo como captamos o mundo, e isso exercita além do Direito, pois a captação dos problemas e dos anseios do ser humano, estão retratados na música, no cinema, na literatura, na filosofia, na sociologia, nas artes plásticas, nos bancos acadêmicos, nos diálogos cotidianos e com nossos professores-educadores, com aqueles que nos ensinam nos nossos estágios da vida.

Refletido isso, podemos mudar o modo como enxergamos, por exemplo, o que se denomina atitude suspeita, para ver o que realmente sente o “suspeito”, dessa atitude, um tanto quanto suspeita. Provocamos, assim, um olhar multifocal, ao aprofundar o que somos, o que pensamos, melhoramos o foco do que queremos. Por meio das diversas visões, seja a cinematográfica, a literatura, a música, ou, especificamente, dentro do próprio Direito, excetuamos a visão apenas penalista, abrangendo uma visão constitucional.

Por fim, podemos tratar o vício que é olhar as coisas apenas de modo unilateral. Simplesmente, podemos enxergar que todos nós temos um pouco de cinza e um pouco de luz, dependendo do modo como nos olham, e do modo como escolhemos olhar o mundo. E que o ideal de justiça, que as leis do Direito guardam, não são apenas o ideal da nossa justiça, em nosso caso concreto, mais uma visão ampla e global, de que se a justiça não funciona para o outro, não é justiça.

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