….discurso populista de Barbosa flerta com o autoritarismo….

A realidade não importa no discurso genérico contra “impunidade”. Sempre haverá uma “impunidade” a reclamar

Mais ainda do que na irritação perene com advogados ou em respostas enviesadas a jornalistas, o flerte de Joaquim Barbosa com o autoritarismo é perceptível quanto mais esposa suas ideias sobre a justiça penal.

Numa entrevista recente a jornalistas estrangeiros, sentenciou que os juízes do Brasil são “pró-impunidade”, as penas aplicadas no mensalão foram ridículas e elogiou os promotores que seriam rebeldes contra este status-quo.

O conteúdo do discurso não é novo, pois se ouve com frequência algo parecido em programas policiais vespertinos ou em editoriais sensacionalistas da imprensa.

Mas quando um chefe do Poder Judiciário afirma que aplicar a lei é dar vazão à impunidade, e se rebelar a ela um sinal de vanguardismo, engrossa o caldo do apego populista, inconciliável com a própria Constituição que deve tutelar.

É certo que declarações como essas fazem o ministro ainda mais popular –o “país da impunidade” é vendido diariamente pela mesma mídia que o entronou nos corações e mentes como herói do povo.

Pouco importa, no caso, a realidade concreta, pela qual já nos colocamos entre os quatro países mais encarceradores do mundo.

E nem o fato de que metade dos presos que superlotam o sistema carcerário ali estejam sem condenações definitivas, por obra de decisões judiciais –de magistrados que, em certa medida, podem até ser conservadores, mas muito pouco “pró-impunidade”.

Os dados da realidade não interessam porque um discurso punitivista genérico assim nunca tem limites. Sempre haverá “impunidade” a ser reclamada.

Por maiores que sejam as penas, por maiores que sejam as punições, sempre haverá quem não tenha sido julgado, quem tenha sido absolvido ou quem já esteja pronto para sair da prisão direto para alguma manchete.

A verdade é que celebrar a “impunidade” no cumprimento da lei não é algo que nasce no Brasil.

O historiador Robert Gellately conta em “Apoiando Hitler: Consentimento e Coerção na Alemanha Nazista” (Ed. Record), que, em 1934, o tradicional brocardo “Não há crime sem lei” (nullum crime sine lege), base histórica do direito penal, foi transformado em “Não há crime sem punição”. Depois de popularizado pela imprensa, a frase era escrita em selos colados nas capas de todos os processos judiciais.

A história nos mostrou aonde as críticas levianas à demora, leniência e excesso de garantias do sistema penal levou a Alemanha: a criação de cortes populares, a expansão incontida da pena de morte, a correção de decisões judiciais pela polícia do Reich. Tudo em nome do sentimento do povo.

O apelo à punição não se torna mais democrático por contar com apoio popular –que, aliás, o livro de Gellately atribui ao próprio Hitler, justamente a partir do endurecimento penal.

A democracia não se traduz apenas no governo da maioria. Mas também na preservação de um pacote mínimo de direitos de quem não faz parte dela ou com ela esteja em confronto.

O pecado de Barbosa não é apenas clamar genericamente contra a “impunidade”, mas atribuir a isso a insígnia de progresso.

É mais ou menos como chamar o iluminismo de conservador, pelas limitações de racionalidade e humanismo que seus pensadores impuseram ao terror absolutista.

Durante o julgamento do mensalão, muitos criticaram Barbosa por uma condução na qual transparecia o papel de acusador.

A afirmação de que os juízes são conservadores e os promotores rebeldes iluminados, e que o CNJ deveria agir para promover a correção dessas diferenças, pode indicar que a identificação com o Ministério Público mantém-se intacta, mesmo após uma década como magistrado.

4 Comentários sobre ….discurso populista de Barbosa flerta com o autoritarismo….

  1. Alex 6 de março de 2013 - 13:04 #

    Caro Dr., seu argumento está errado na premissa básica: a impunidade a que Barbosa, Jornais e todo o resto do povo (resto são não juizes, não deputados…etc) se refere é a dos RICOS E PODEROSOS neste país. Porque só PUTA_POBRE_E_PRETO neste país vai preso. Sempre foi assim desde que os portugueses chegaram. Estes números de encarceramento só confirmam a premissa! Impunidade não é só encarcerar, mas também manter preso o inocente, o ignorante!
    Sua manifestação só contribui para MAIS impunidade. Claro, quando se condena um político, um empresário, um homem de poder, é impunidade! agora, quando se condena um traficante, um assaltante ou um rapaz que furtou uma loja, dai não vai ter nenhum juiz famoso vindo na internet defender a tal IMPUNIDADE.

  2. Fazenda Pública Osasco 6 de março de 2013 - 13:05 #

    Boa análise. Na entrevista aos correspondentes estrangeiros, ele deixou claro que não se enxerga como parte do Poder Judiciário há 10 anos.O que ele fez nesse tempo todo para combater orientações das quais ele discorda? Não disse e nem foi perguntado.

  3. Marcelo Semer 6 de março de 2013 - 23:42 #

    Olha, Alex,acho que você deveria encaminhar essa crítica ao próprio Joaquim Barbosa. Quando ele ataca, por exemplo, a progressão na execução, não se dirige a réus ricos ou privilegiados, mas a todo o conjunto do sistema prisional, que estaria ainda muito mais recheado do mesmo estrato social a que você se refere. O ministro não fez referência à seletividade do sistema penal, mas isso você pode encontrar, em diversos artigos meus aqui no Blog. Se perder um pouco de tempo para ler, vai encontrar.
    Tadeu (Faz. Pública): boa pergunta a dirigir a ele. O STF é um tribunal com ministros de acesso distinto. Todos eles devem ter em comum o fato de uma vez empossados se tornarem juízes. O presidente não parece ter aceito isso.

  4. Anônimo 13 de março de 2013 - 00:20 #

    A nossa Justiça é tão boa que, vez em quando, acordo pensando que estou na Dinamarca.O Gil Rugai também…