….independência do julgar em jogo no STF….

Todo mundo precisa de juiz que não julgue pela multidão. Até quem faz parte dela

Há vários anos, julguei um processo de corrupção, no qual um jornalista havia sido arrolado pelo Ministério Público como a principal testemunha de acusação, em razão de notícias veiculadas em seu jornal, sobre o desvio de verbas públicas.

Ao ser ouvido em juízo, o repórter esclareceu, no entanto, que todas as informações que havia publicado, tinha obtido do próprio Ministério Público.

Independente da veracidade das informações, o certo é que a imprensa foi utilizada para dar dimensão ao fato. Não trouxe propriamente dados novos ao processo, mas manchetes que supostamente fariam o crime parecer mais sério ou mais importante –já que fora noticiado em um famoso diário.

A se confirmarem os relatos publicados pelo jornal O Estado de S. Paulo na última quinta-feira, a estratégia de utilização da imprensa como mecanismo de pressão a julgadores, teria ocorrido dentro do próprio Supremo Tribunal Federal. E não por membros do MP –que, verdade se diga, são mesmos partes no processo penal- mas por outros ministros da Corte.

O julgamento teria sido interrompido propositadamente pelo retardo na leitura de votos e pela negativa do presidente em colher a manifestação do decano.

E a partir daí, a imprensa fez o seu papel, traduzindo o acolhimento de recurso em um inequívoco sinal de impunidade.

Celso de Mello virou capa de revista como se fosse ele o próprio réu, e foi lembrado exaustivamente o que durante o julgamento (em que foi um dos votos mais duros pela condenação) havia sido esquecido: que ele absolveu Fernando Collor e votou contra o Ficha Limpa.

Que a grande imprensa tenha construído o vilão da ocasião não é propriamente uma novidade.

Não há sinais de que em algum momento, no agir costumeiramente sensacionalista, o devido processo legal tenha sido tão respeitado quanto uma condenação que se podia alardear em manchetes. Salvo, evidentemente, quando réus são os próprios veículos, e a imprensa brada sem cessar, por exemplo, contra a censura.

O que é de se estranhar, no entanto, é a afirmação de que ministros possam ter participado desse jogo, buscando na opinião pública formas de pressionar colega por uma decisão.

Marco Aurélio, que se notabilizou no próprio Supremo, pela coragem de seus votos vencidos, e pelos ensinamentos da cultura contramajoritária do juiz criminal, usou um questionável argumento de autoridade contra o “novato” Luis Roberto Barroso e admitiu que como juiz, pensa no que é publicado no dia seguinte e quer prestar contas aos contribuintes.

Muitos contribuintes certamente já se arrancaram os cabelos ao tomar ciência das várias decisões do ministro em sede criminal, algumas das quais em casos em que jornais também vociferavam pela prisão.

Joaquim Barbosa, que escandalizou o meio jurídico ao chamar de chicana a leitura de um voto de seu colega Lewandowsky, deixou de criticar outros bem mais longos que não colidiam com seu pensamento e, a despeito da suposta pressa em terminar o julgamento, atrasou-o por uma semana.

Gilmar Mendes, que nas questões de plenário vinha-se alinhando com outros ministros liberais no direito penal, e em liminares avançou em nome da liberdade passos bem maiores do que a “opinião das revistas” costuma aceitar, afirmou, no linguajar próprio de telejornais, que o STF não é forno para assar pizzas.

Não há dúvida que no julgamento estão em jogo, primordialmente, a liberdade de mais de três dezenas de réus.

Mas estão também em discussão princípios básicos da jurisdição.

A heterodoxia em questões que atingem de chofre a ideia básica do julgar, como a isenção e a independência, o respeito à ampla defesa e a não-submissão a pressões, merecem atenção e cautela.

Mesmo os que saem às ruas para bradar por condenações severas, no final das contas, também querem um tribunal que respeite, sobretudo, à lei, sem exaltações ou patriotismos.

Na hora em que a repressão do Estado prende manifestantes, por exemplo, quem não quer poder ser julgado por um juiz que não se submeta à versão exclusiva da polícia ou aos volúveis humores da multidão?

Comentários fechados.