….mandela foi fora-da-lei quando a lei estava fora da ordem….

 
 
 
 
A resistência se frutifica quando o legalismo encaixota a justiça e os juristas se escondem nas mais variadas formas de não dizer o direito
 
 
 
 
 
 
 
 
Nelson Mandela vem sendo reverenciado pela direita, em grande medida em causa própria, porque não buscou revanche contra o opressor.
 
É saudado pela esquerda porque colocou a resistência acima da sua liberdade, negando-se a depor armas em troca da soltura, quando o sanguinário regime do apartheid ainda vigorava. E porque jamais se intimidou em aliar-se a revolucionários de outros cantos.
 
Isso talvez justifique o mito com que sua figura vem embalada na hora da morte.
 
Mas ele foi além. 
 
Mandela não foi apenas um ícone de lutas na juventude ou um governante magnânimo e sereno na maturidade. 
 
Foi, sobretudo, um motor de resistência que venceu a injustiça.
 
Mandela era um fora-da-lei quando a lei é que estava fora da ordem. 
 
O apartheid era lei. 
 
Como eram as discriminações raciais no sul dos Estados Unidos. Como foi, em grande parte, o arcabouço da barbárie na Alemanha de Hitler. E a escravidão tão duradoura entre nós.
 
Governos e legisladores haviam escrito aquelas barbaridades –mas nem por isso deixavam de ser barbaridades.
 
Não se trata de dizer apenas que o legal nem sempre é legítimo e lamentar.
 
Mas entender que a barbárie é sempre ilegal, mesmo quando está prevista na lei.
 
E a resistência se frutifica justamente quando o legalismo encaixota a justiça e os juristas se escondem nos desvãos do positivismo para procurar as mais variadas formas de não dizer o direito.
 
O discurso da ordem costuma ser confundido com o discurso do direito –mas direito é bem mais do que disciplina e está muito além da obediência. 
 
Não é legal tudo o que é feito por quem detém o poder de legislar. 
 
Há princípios fincados nas Constituições que por si só impedem violações. E há tratados internacionais que obrigam nações a respeitar os valores mais elementares da humanidade.
 
O apartheid conseguiu a proeza de mesclar a segregação racial com uma sanguinária repressão. 
 
Países que hoje saúdam a memória de Mandela, como os Estados Unidos, mantiveram por anos a fio a condenação, não da barbárie de que negros eram vítimas, mas de quem se opôs a ela. 
 
Mandela foi inserido na lista de terroristas pelo governo inglês e se manteve assim nos Estados Unidos até o recente ano de 2005.
 
Mas nem isso foi capaz de impedir o motor da história e a vitória da resistência sobre uma ordem terrivelmente injusta.
 
É algo que a lição de Mandela deve ensinar, não apenas aos povos e a seus governos, mas também aos juristas: é a aplicação da justiça e não o fortalecimento da ordem pela ordem que esvazia a resistência.
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