….pelo prestígio popular, Barbosa se afastou do jurídico….

 
 
 
o legado de Joaquim foi a rendição ao juízo popular
 
 
 
 
 
 
Desde a semana passada, quando anunciou uma precoce aposentadoria, especula-se sobre o legado que deixará Joaquim Barbosa de sua passagem pelo STF.
 
O ministro se notabilizou, sobretudo, por se transformar de juiz em um importante ator político.
 
É certo que no meio jurídico, não se guardarão tantas lições do repertório de seus acórdãos, como o faremos, por exemplo, com Celso de Mello. 
 
De outro lado, sua figura estampa seguidamente capas de revistas semanais, é presença constante em comentários de analistas políticos e circula com desenvoltura em pesquisas eleitorais. 
 
Não há dúvidas de que fugiu do escaninho tradicional do juiz. 
 
A questão é de saber se, além de seu prestígio pessoal, isso também contribuiu de alguma forma à magistratura a qual serviu por pouco mais dez anos. 
 
A resposta tende a ser negativa.
 
Ao mesmo tempo em que ganhou aplausos da plateia, se indispôs com quase toda a classe jurídica, a quem seguidamente questionou -inclusive como forma de cativar o eleitorado leigo. 
 
Sua popularidade subia, a cada desaforo ou desavença com juízes ou advogados. Mais do que um elefante na loja de cristais, ele quebrou conscientemente todos os pratos que quis quebrar.
 
Em pouco tempo, já se pode intuir que nem mesmo o julgamento da ação penal 470, seu maior trunfo, deixará um legado consistente no meio jurídico.
 
Não demorou para que o STF tenha voltado atrás em teses importantes assinaladas no julgamento, como a não cassação automática de político condenado;  o desmembramento como regra em ações penais com réus com e sem foro privilegiado e mesmo o órgão de julgamento, agora atribuído apenas às suas turmas e não mais ao festejado plenário, de onde saiu a extensa publicidade televisiva. 
 
Mesmo o rigor além do razoável na execução da pena, afrontando larga consolidação jurisprudencial, dificilmente resistirá ao plenário, quando a ele for submetido.
 
Tudo indica que o mensalão, e suas inúmeras idiossincrasias jurídicas, devem ficar na história como pontos fora da curva, e que, findo o julgamento, as coisas voltem a seus lugares.
 
Mas é justamente aí que o papel político de Barbosa se marca, como o magistrado que teria feito diferença, rompendo com a tradição e, sobretudo, a frouxidão dos juízes -a quem mais de uma vez, referiu-se como integrantes da bancada pró-impunidade. 
 
Um discurso popular e populista que o colocou, insistentemente, como cavaleiro solitário dos anseios populares.
 
Enfim, quanto mais se afasta do jurídico, mais amealha vantagens no político.
 
Barbosa se assumiu, sem qualquer freio ou inibição, como o juiz que julga de acordo com a expectativa social e da forma que melhor se amolda com o sentimento médio exposto pela mídia –o que, no direito penal, sejam quais forem os crimes ou os acusados, sempre será pela condenação.
 
É este papel de Barbosa, corporificando o julgamento penal popular, que mais o fragilizou como juiz. 
 
Sendo obrigatoriamente o garantidor dos direitos fundamentais, o juiz criminal jamais pode se assumir como um vingador ou justiceiro. 
 
É ele quem deve garantir o devido processo legal, mesmo quando isso incomoda os que bradam por um julgamento sumário; quem deve assegurar a ampla defesa, mesmo quando isso pareça proteger o criminoso; quem deve zelar pela aplicação da punição nos limites legais, mesmo quando soe insuficiente para o sensacionalismo da mídia ou olhares vingativos.
 
Mas não é só.
 
A separação dos papéis entre juiz e acusador vem a ser um dos pilares do processo penal moderno, superando a tradição inquisitorial que marcou a história das punições ao longo do tempo.
 
A impressão de um juiz que se imbrica com a acusação a tal ponto de disputar teses com os ministros que não a acolhem, como num plenário de júri, e antagonizar frontalmente com a defesa, pôs em risco, sobretudo, o primado da imparcialidade.
 
Por fim, submeter o juiz ao crivo popular não é apenas um exercício de rigor punitivo. É também uma séria ameaça à independência.
 
Parte-se de uma visão distorcida que limita democracia à regra da maioria, sem se ater ao fato de que a democracia também pressupõe garantias que estão além da maioria.
 
A estrutura de direitos fundamentais, que a Constituição Federal transformou em cláusulas pétreas, está aí justamente para impedir a supremacia da vontade geral sobre o indivíduo, que é o que pavimenta caminho para todo tipo de autoritarismo.
 
Preservar a independência não significa apenas se ver livre das amarras do poder, mas também evitar que um julgamento se transforme em linchamento midiático ou popular, quando a função do juiz, e assim do próprio Estado, se perde na multidão. 
 
Mas foi justamente ao dar vazão a certos traços autoritários, muitas vezes identificados como um temperamento de pouco equilíbrio, que o fez querido pela multidão. 
 
A popularidade alimenta a vaidade, mas será esse um bom legado?
Comentários fechados.