….autonomia da Defensoria: parecer….

 
A constitucional e necessária autonomia da Defensoria

 

 

 

O
parecer que segue é do jurista Daniel Sarmento e assenta a
constitucionalidade da PEC que atribuiu autonomia à Defensoria Pública da
União, hoje questionada por ADI ajuizada pelo governo federal.

 

O
parecer não é inédito, mas atento à importância do tema, e a autonomia para o
fortalecimento da Defensoria Pública, SemJuízo o reproduz. Atenção para o
enfoque do parecerista no sentido de que  jurisprudências invocadas na inicial da ADI
são vinculadas a reformas das Constituições Estaduais (ligadas à violação da
simetria) e que o constituinte não outorgou à chefia do Executivo o poder de
veto sobre PECs e, no mesmo sentido, por consequência, a exclusividade de sua
iniciativa.

 

  

 

 

Autonomia
da DPU e Limites ao Poder de Reforma da Constituição

SUMÁRIO.
1. A Consulta. 2.
Igualdade, acesso à justiça e garantias institucionais
da Defensoria Pública. 3.
A
inexistência de iniciativa privativa no processo legislativo das emendas à
Constituição Federal. 4. Algumas distinções relevantes entre os limites ao
poder constituinte decorrente dos Estados e ao poder de reforma da Constituição
Federal. 5. A ausência de violação à cláusula pétrea da separação de poderes. 6.
Conclusão.

1. A
Consulta

Consulta-me a Associação Nacional dos Defensores
Públicos Federais – ANADEF, através do seu Presidente, Dr. Dinarte da Páscoa
Freitas, a respeito da constitucionalidade do processo legislativo que resultou
na promulgação da Emenda Constitucional nº 74/2013, que alterou o art. 134 da
Constituição Federal, para estender à Defensoria Pública da União “a autonomia funcional e administrativa e a
iniciativa de sua proposta orçamentária”,
que já eram asseguradas às
defensorias públicas estaduais pelo texto constitucional[1].

A Consulta se deve ao ajuizamento, pela Presidente da
República, da ADI nº 5.296 contra a referida EC nº 74/2013, fundada na alegação
de que o referido ato normativo padeceria de inconstitucionalidade, em razão da
suposta inobservância da reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo para
a edição de normas sobre a matéria, que estaria, sob a sua ótica, consagrada no
art. 61, § 1º, inciso II, alínea “c”, da Constituição.  Na petição inicial, a Requerente aduziu que,
como a reserva de iniciativa se liga ao princípio da separação de poderes, o
pretenso vício ofenderia, também, a cláusula pétrea correspondente (art. 60, §
4º, inciso III, CF).

Antes de passar ao exame da questão da validade do
processo legislativo que resultou na EC nº 74/2013, é relevante salientar o
pano de fundo fático-normativo da questão, o que se fará no próximo item.

2.
Igualdade, acesso à justiça e garantias institucionais da Defensoria Pública

Nosso país, infelizmente, se caracteriza pela
dramática desigualdade social. Embora o Brasil não seja uma nação pobre, os
recursos sociais existentes estão distribuídos de forma extremamente
desigualitária.

A Constituição proclama a igualdade de todos (art.
5º, caput e inciso II), mas, na
prática, o acesso real aos direitos continua profundamente assimétrico. Os
excluídos estão muito mais expostos, por exemplo, ao arbítrio das autoridades
públicas. São invariavelmente os pobres que ficam presos mais tempo do que deveriam
nas nossas “masmorras medievais”, esquecidos pela Justiça e pelas autoridades
prisionais. São quase sempre os excluídos que sofrem afrontas à sua
inviolabilidade de domicílio, perpetradas pela polícia. São eles que padecem
nas filas do SUS à espera de tratamentos e medicamentos; que são penalizados
pela falta de vagas e de professores nas creches e escolas públicas; são eles
as vítimas da tortura e do trabalho escravo.

Incrustrados nas malhas do nosso Estado Democrático
de Direito, subsistem verdadeiros bolsões de estado de exceção, em que os
direitos dificilmente penetram.[2]
A população destes bolsões, esta “ralé”[3]
que tem fome de justiça, é a clientela, por excelência, da Defensoria Pública.

A Constituição de 88 quis remediar este quadro, não
se contentando em reconhecer simbolicamente os direitos fundamentais. Ao
contrário, o constituinte de 87/88 preocupou-se em assegurá-los no mundo real,
de forma a transpor o abismo que ainda separa as promessas generosas do texto
magno da vida real das camadas excluídas da população. Para isso, apostou no acesso à justiça. Sem efetivo acesso à
justiça, os direitos, proclamados com pompa e circunstância nos documentos
jurídicos, tornam-se pouco mais do que floreios retóricos em folhas de papel,
desprovidos de qualquer eficácia social.[4]
Como consignaram Mauro Cappelletti e Bryant Garth em obra clássica sobre o
tema, “a titularidade de direitos é
destituída de sentido na ausência de mecanismos para a sua efetiva
reivindicação”.[5]

Mais do que qualquer outra, a Defensoria Pública é a
instituição vocacionada para assegurar o acesso à justiça, e, por seu
intermédio, o gozo de todos os demais direitos fundamentais pelos excluídos.[6]
O art. 5º, inciso LXXIV, da Constituição estabelece que o “Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que
comprovarem insuficiência de recursos
”. E o art. 134 da Carta, por sua vez,
dispõe que a Defensoria Pública é “instituição
permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como
expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação
jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus,
judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma
integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º
desta Constituição Federal”.

É por isso que, sem uma Defensoria Pública forte,
bem estruturada, com recursos materiais e humanos adequados para o desempenho
da sua missão constitucional, fica comprometido o gozo de todos os direitos
fundamentais dos indivíduos e grupos hipossuficientes e vulneráveis. Foi o que
ressaltou o Ministro Celso de Mello, em memorável decisão:

“Cumpre,
desse modo, ao Poder Público dotar-se de uma organização formal e material que
lhe permita realizar, na expressão concreta de sua atuação, a obrigação
constitucional mencionada, proporcionando, efetivamente, aos necessitados plena
orientação jurídica e integral assistência judiciária, para que os direitos e as
liberdades das pessoas atingidas pelo injusto estigma da exclusão social não se
convertam em proclamações inúteis nem se transformem em expectativas vãs. A
questão da Defensoria Pública, portanto, não pode (e não deve) ser tratada de
maneira inconsequente, porque de sua adequada organização e efetiva
institucionalização depende a proteção jurisdicional de milhões de pessoas –
carentes e desassistidas – que sofrem inaceitável processo de exclusão que as
coloca, injustamente, à margem das grandes conquistas jurídicas e sociais”.[7]

Assim, é fundamental dotar a Defensoria Pública de
um arcabouço institucional adequado[8],
para evitar que, nas palavras da Ministra Carmen Lúcia, a “inanição administrativa” faça “definhar
não só a Defensoria Pública, mas o próprio quadro de desvalia social dos mais
carentes”[9].
 Esta conclusão não resulta da
especulação teórica abstrata, mas da análise de dados concretos da realidade.

É que, apesar do seu inequívoco relevo
constitucional, e de sua importância crucial para a edificação de uma sociedade
democrática e inclusiva, a Defensoria vem sendo tratada, ao longo dos anos,
como uma espécie de “prima pobre” das demais instituições do sistema brasileiro
de justiça. Número insuficiente de defensores, falta de estrutura material e de
condições adequadas de trabalho, remuneração dos seus membros inferior à das
outras carreiras jurídicas são algumas das mazelas que historicamente vêm lhe afligindo.
Este “desprestígio”, francamente incompatível com os valores da Constituição,
se deve, basicamente, a duas causas: o descaso em relação à clientela da
Defensoria, composta pelas camadas mais desprivilegiadas da população; e o fato
de que a atuação eficiente da instituição tende a gerar despesa pública, e não
receita.

Não há dúvida de que o fortalecimento da Defensoria
corresponde a um relevantíssimo interesse público primário da sociedade. Nada
obstante, há uma perversa tendência dos governantes – infelizmente, até
daqueles que apregoam supostos compromissos com os direitos dos excluídos – de
preterir a Defensoria, no momento de definição das suas prioridades
administrativas e financeiras. Esta foi a razão que levou o poder constituinte
reformador a outorgar autonomia funcional e administrativa, além de poder de
iniciativa de proposta orçamentária, à Defensoria: a constatação de que, sem
estas garantias, a instituição tende a ser sistematicamente negligenciada nas
escolhas do Poder Executivo, o que compromete gravemente o desempenho eficiente
da sua missão de proteção dos direitos dos hipossuficientes, perpetuando um
triste cenário de exclusão e injustiça social.

Em um primeiro momento, tais garantias foram
explicitamente conferidas apenas às defensorias públicas estaduais, por meio da
Emenda Constitucional nº 45/2004, que inseriu no texto maior o § 2º do art.
134. Tão arbitrária e injustificada foi a exclusão da Defensoria Pública da
União, que a Consulente ajuizou a ADI nº 4282, sob o patrocínio do hoje
Ministro Luís Roberto Barroso, buscando obter interpretação conforme a
Constituição do referido preceito, de molde a estender as garantias
institucionais lá contempladas à Defensoria Pública da União.

Antes, porém, que a ação fosse julgada pelo STF, o poder
constituinte reformador atuou no sentido de estender expressamente as garantias
institucionais do art. 134, § 2º, da Constituição, à Defensoria Pública da
União, por meio da EC nº 74/2013, que foi aprovada de modo praticamente unânime
no Congresso Nacional,[10]
com o apoio, inclusive, de toda a bancada do governo.

Lamentavelmente, o disposto na referida emenda
constitucional já vem sendo descumprido pelo governo federal. Com efeito, a
Presidente da República deixou de incorporar a proposta orçamentária da
Defensoria Pública da União ao projeto de lei orçamentária de 2015, fato que
motivou a impetração do Mandado de Segurança nº 33.193 perante o STF, contra o
ato de S. Exa. Felizmente, a Suprema Corte não ficou inerte diante da ofensa
clara à Constituição. A Ministra Rosa Weber, na qualidade de Relatora do feito,
proferiu corajosa decisão liminar,[11]
para assegurar a apreciação pelo Congresso Nacional da proposta orçamentária
elaborada pela DPU, como parte integrante do projeto de lei orçamentária anual
de 2015.

Não bastasse, a Presidente também se insurgiu contra
a EC 74/2013, ajuizando a ADI 5.296, sob o frágil argumento de que a reforma
constitucional seria inconstitucional, por suposto vício de iniciativa. Mais
uma vez, o interesse público secundário na economia de recursos foi posto na
frente da proteção dos direitos fundamentais dos hipossuficientes.

Os dados disponíveis sobre a Defensoria Pública da
União revelam a urgência da efetiva implementação das garantias institucionais
que o governo federal quer agora amputar. De acordo com informações oficiais,[12]
em março de 2014 a instituição cobria apenas 64 seções judiciárias da Justiça
Federal, o que correspondia a apenas 24% das existentes no país, que à época
totalizavam 271. Portanto, em mais de 3/4 das nossas seções judiciárias, os
jurisdicionados pobres simplesmente não podiam contar com a DPU.

Apesar da sua clara atribuição constitucional, a
Defensoria Pública da União, por falta de pessoal e carência de recursos,
simplesmente não atua na Justiça do
Trabalho, afora em um “projeto piloto” no âmbito do Distrito Federal. Isto
apesar da presença maciça de pessoas carentes nos conflitos laborais.

A instituição contava, em março de 2014, com apenas
555 defensores públicos federais em seus quadros, que deveriam atuar perante
nada menos que 8.175 magistrados(!): 1714 juízes federais, 3.250 juízes do
trabalho, 3.178 juízes eleitorais, 33 juízes militares federais togados e 82
ministros de tribunais superiores[13].
Implantada de forma “emergencial e provisória” pela Lei 9.020/95, a Defensoria
Pública da União, 20 anos depois, continua atuando sem contar com carreiras
administrativas próprias.

Estes dados revelam deficiências crônicas da DPU, e
apontam a importância, sob o prisma dos valores constitucionais, de se dotar
tal instituição com a autonomia necessária para se estruturar de modo adequado
ao desempenho da sua missão constitucional. Sem isso, não bastará o trabalho
abnegado e competente dos defensores. Nem o seu esforço hercúleo será
suficiente para assegurar que as funções da DPU – tão essenciais à justiça e à
inclusão – sejam prestadas de forma minimamente adequada. Os prejudicados não
serão apenas os defensores. Muito mais do que eles, os perdedores serão os
pobres, a “ralé”, as camadas mais vulneráveis da população brasileira.

3. A inexistência de iniciativa
privativa no processo legislativo das emendas à Constituição Federal

As regras sobre iniciativa privativa não se aplicam à
reforma da Constituição Federal. Elas estão inseridas no art. 61 do texto
magno, que trata do processo legislativo das leis ordinárias e complementares. A norma que disciplina o poder de
iniciativa na reforma constitucional é o art. 60, caput, que estabeleceu hipótese de iniciativa comum, como se
depreende claramente do seu texto:

“Art. 60.
A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:

I – de um terço, no mínimo,
dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal;

II – do Presidente da
República;

III – de mais da metade das
Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma
delas, pela maioria relativa de seus membros.”

Não
cabe ao intérprete estabelecer restrições onde não as quis o constituinte. Se
desejasse estender as regras sobre iniciativa privativa de leis ordinárias e
complementares às emendas à Constituição Federal, o constituinte tê-lo-ia feito
expressamente. A hipótese não é de lacuna, a ser suprida pela via analógica,
mas de silêncio eloquente. Por isso, em obra doutrinária já consignei: “Diferentemente do que ocorre com as leis
ordinárias e complementares, não há casos de iniciativa privativa para a
reforma constitucional”.[14]

Nesse mesmo sentido, a doutrina constitucional alude
à titularidade do poder de iniciativa das emendas constitucionais –
compartilhado pelas entidades acima listadas -, sem fazer qualquer alusão à
aplicação, à hipótese, das regras sobre iniciativa privativa, previstas na
Constituição apenas para as leis ordinárias e complementares.[15]

Por outro lado – e este ponto é fundamental – nenhum dos precedentes do STF invocados na
petição inicial
diz respeito a emendas à Constituição Federal. Como se verá
no próximo item, todos eles foram relativos ao controle das mudanças das constituições estaduais, e se relacionam
à aplicação do princípio da simetria,
no plano do processo legislativo estadual, que não tem qualquer pertinência em
relação à reforma da Constituição Federal. Assim, ao contrário do que afirmou a
Requerente, a jurisprudência do STF não
tem precedentes no sentido de que as regras sobre iniciativa referentes ao
processo legislativo ordinário também se estendem ao poder de reforma da
Constituição Federal.[16]

A inexistência de iniciativa privativa do Poder
Executivo no processo de emenda à Constituição também é decorrente da
interpretação teleológica e sistemática da Carta. O poder constituinte
originário não quis atribuir hegemonia à Presidência da República no processo
de alteração da Constituição, em sintonia, neste ponto, com a tendência
existente na matéria no Direito Constitucional Comparado.[17]
Por isso, não conferiu ao Chefe do
Executivo o poder de veto em relação às emendas. Estas, como se sabe, são
promulgadas pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal (art. 60, §
3º), sem prévia submissão à fase de sanção e veto, presente no processo
legislativo ordinário.

Ora, seria profundamente incongruente negar o
direito de veto, e, ao mesmo tempo, atribuir a iniciativa privativa de matérias
importantes ao Presidente da República no campo da reforma constitucional.
Afinal, a iniciativa privativa configura mecanismo de bloqueio deliberativo ainda mais poderoso do que o veto, já
que este é superável pelo Congresso, enquanto aquela não o é.

Não bastasse, existe um argumento adicional
contrário à afirmação da iniciativa privativa da Presidente da República, que
se relaciona à natureza do tema versado na EC nº 74/2013.  É que toda a argumentação que lastreia a
suposta iniciativa privativa de um poder do Estado para edição de emendas
constitucionais sobre certos temas se liga à preservação da sua autonomia.

Ocorre que, por diversas razões já explicitadas
anteriormente, o funcionamento da Defensoria Pública não é matéria concernente à autonomia do Poder Executivo. Pelo
contrário, trata-se de tema afeto aos interesses da sociedade civil,
especialmente dos seus segmentos mais vulneráveis, cujos direitos não podem
ficar à mercê da vontade monocrática da Presidente da República. A adoção da
tese advogada na ADI 5.296 geraria um problema constitucional e social
insolúvel: a subordinação da DPU ao governo tem ensejado a insuficiência da sua
atuação em favor dos direitos dos hipossuficientes, mas o problema só poderia
ser corrigido com a concordância de quem o causou – o próprio Poder Executivo,
através da sua Chefe. Em termos coloquiais, atribuir à Presidente da República
o poder absoluto de decidir sobre a possibilidade de deliberação congressual a
propósito da autonomia da DPU, mesmo em sede de emenda constitucional, tem
implicações similares a aceitar que “a raposa se torne a única vigia do
galinheiro”. Adotada a tese, só uma ruptura com a ordem vigente, com novo
exercício do poder constituinte originário, poderia superar a recalcitrância do
Poder Executivo em promover uma mudança essencial à garantia dos direitos
fundamentais dos pobres.

Saliente-se, por fim, que inúmeras emendas
constitucionais já foram aprovadas sem observância das regras sobre iniciativa
privativa inseridas na disciplina das leis ordinárias e complementares. Neste
sentido, por exemplo, a EC 45/2004, que resultou de proposta apresentada por
deputados federais, realizou a reforma do Judiciário, instituindo o CNJ,
mudando a composição das cortes trabalhistas e extinguindo os tribunais de
alçada, dentre outras medidas. No âmbito do processo legislativo
infraconstitucional, a iniciativa deste tipo de matéria caberia ao Supremo
Tribunal Federal, nos termos do art. 96, inciso II, da Constituição. Se
prevalecesse a argumentação formulada na ADI 5.296, ter-se-ia que concluir no
sentido também da inconstitucionalidade da EC 45/04, tão importante para o
país. Todavia, o STF, no julgamento da ADI 3.367,[18]
considerou constitucional a referida emenda.[19]

Por todas estas razões, não se aplicam ao processo
de reforma constitucional as regras sobre iniciativa legislativa privativa
contidas no art. 61, §1º, da Constituição. No próximo item, pretendo demonstrar
que a hipótese difere significativamente daquela que envolve emendas às
constituições estaduais, que é a examinada nos precedentes do STF colacionados
na inicial da ADI 5.296.

4. Algumas
distinções relevantes entre os limites ao poder constituinte decorrente dos
Estados e ao poder de reforma da Constituição Federal

Toda a argumentação contida na petição inicial da ADI
5.296 se assenta em uma grande confusão entre os limites impostos ao poder de
reforma da Constituição Federal, e aqueles incidentes sobre o poder de
elaboração e alteração das constituições estaduais – conhecido como poder constituinte decorrente. As
decisões citadas pela Requerente, que aduziram que as alterações constitucionais
também devem respeitar as regras sobre iniciativa privativa são, todas elas,
relativas a emendas a constituições estaduais, e invocam argumentos
inaplicáveis ao processo de reforma da Lei Maior.

É que, na leitura do STF, o poder constituinte decorrente
sofre uma ampla gama de limitações,[20]
tão extensas que Luís Roberto Barroso chegou a registrar: “as Constituições estaduais são um artificialismo importado, seu espaço
legítimo de atuação é mínimo e desimportante e, a despeito do discurso dogmático
laudatório, não passam de leis orgânicas
”.[21]
Já em relação ao poder de reforma da Constituição Federal, impera uma postura
de maior comedimento, justificada pelas legítimas preocupações de se evitar o engessamento excessivo da Constituição e
de se proteger o autogoverno democrático
de cada geração,[22]
como se verá no próximo item.

Uma das limitações impostas ao poder constituinte
decorrente consiste no princípio da
simetria,
que postula que, em sua auto-organização, os demais entes
federativos devem observar as normas gerais impostas pela Constituição à União
Federal[23].  A jurisprudência do STF extraiu desse
princípio a exigência de que as regras do processo legislativo estadual espelhem,
na medida do possível, aquelas que a Constituição instituiu para a edição das
normas federais. E foi além disso, para também impor às assembleias
legislativas que não se utilizem de emendas constitucionais para promover
modificações no ordenamento que não poderiam ser introduzidas, no âmbito do
processo legislativo ordinário ou complementar, sem a iniciativa do governador
de Estado.[24]

Nessa matéria, entendeu o STF que o modelo de
separação de poderes da Constituição Federal deve ser seguido pelos Estados, e
que o mesmo engloba as regras sobre iniciativa privativa. Para a Corte,
permitir que uma emenda constitucional estadual proposta por parlamentares
trate de tema que, no processo legislativo ordinário ou complementar, é de
iniciativa reservada ao governador, equivaleria a coonestar uma fraude às regras que são de observância
compulsória pelos Estados.

Esta ratio ficou
claramente registrada no julgamento da ADI 3930[25],
cuja ementa destaca a origem da vinculação das emendas à constituição estadual
às regras sobre iniciativa privativa – o princípio da simetria:

“I- À luz do princípio da simetria, a
jurisprudência desta Suprema Corte é pacífica ao afirmar que, no tocante ao
regime jurídico dos servidores militares estaduais, a iniciativa de lei é
reservada ao Chefe do Poder Executivo local por força do art. 61, § 1º, II, f, da Constituição.

II- O vício formal não é
superado pelo fato de a iniciativa legislativa ostentar hierarquia
constitucional.

III Ação direta julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade do artigo 148-A da
Constituição do Estado de Rondônia e do artigo 45 das Disposições
Constitucionais Transitórias da Carta local, ambos acrescidos por meio da
Emenda Constitucional nº 56, de 30 de maio de 2007”

(grifei).

Nesse julgamento, afirmou-se que o objetivo da
extensão das regras de iniciativa privativa à reforma das cartas estaduais é
impedir que, pela via da emenda, possa o legislativo estadual burlar o princípio da simetria, que lhe
impõe a observância das referidas normas. É o que se lê no voto proferido pelo
Ministro Marco Aurélio:

“Presidente,
a novidade é que não houve apresentação de um projeto de lei, mas de emenda
constitucional. Acontece que esta via não serve ao drible da reserva de
iniciativa.

Por isso, acompanho o
relator.”

Daí se percebem duas razões adicionais para a evidente
inaplicabilidade das regras sobre iniciativa privativa ao processo de reforma
da Constituição Federal: (i) este
processo, por óbvio, não se sujeita
ao princípio da simetria, que está ligado à auto-organização dos entes
federados, e não à alteração da Constituição Federal; e (ii) ainda que assim não fosse, não seria possível cogitar, na
hipótese, de drible à iniciativa
privativa de lei do Chefe do Executivo, já que não se pode tratar do tema da EC
74/2013 por meio de lei, mas tão somente por intermédio de emenda
constitucional.

Primeiro ponto. A simetria, como já assinalado, não
guarda nenhuma relação com a
elaboração das emendas à Constituição Federal. Estas, como será analisado no
próximo item, têm de respeitar, no seu conteúdo,
o núcleo essencial do princípio da separação de poderes, mas este não se relaciona com o procedimento de elaboração das emendas,
já que consiste em limite material, e
não em limite formal ao poder de
reforma da Constituição.

Segundo ponto. Uma lei não poderia assegurar autonomia
funcional ou administrativa à Defensoria Pública da União, nem muito menos
atribuir a esta o poder de iniciativa das respectivas propostas orçamentárias.
Tais matérias só podem ser veiculadas em sede
constitucional
, pois modificam institutos que a própria Constituição
consagra. Assim, seria absurdo conceber a edição da EC 74/2013 como tentativa
de burla à iniciativa privativa do Poder Executivo em leis ordinárias e
complementares, por uma simples razão: tais espécies normativas não poderiam, sequer em tese, tratar do
assunto versado pela referida emenda.

Todas estas razões demonstram que não houve qualquer
vício de iniciativa na elaboração da EC 74/2013. No próximo item,
comprovar-se-á que tampouco existe inconstitucionalidade material no referido
ato normativo.

5.  A ausência de violação à cláusula pétrea da
separação de poderes

O princípio da separação de poderes, consagrado no
art. 2º da Constituição, representa cláusula pétrea, nos termos do art. 60, §
4º, inciso II, da Lei Maior.  As
cláusulas pétreas, como se sabe, traduzem limites
materiais
ao poder de reforma da Constituição. Tais limites, como a sua
própria designação já indica, dizem respeito ao conteúdo da emenda constitucional, e não ao respectivo procedimento.  Portanto, as cláusulas pétreas não
especificam o modo como as emendas devem ser elaboradas, não tendo por isso qualquer relação com o poder de
iniciativa do processo de reforma.

As cláusulas pétreas subtraem certas decisões
fundamentais do constituinte originário da alçada do poder reformador. Elas
representam o máximo grau de entrincheiramento de normas jurídicas, que são
retiradas até mesmo do alcance das maiorias qualificadas necessárias à
aprovação das emendas constitucionais. Reverter alguma decisão salvaguardada
por uma cláusula pétrea, de acordo com a ortodoxia constitucional, só é
possível por meio de uma ruptura institucional, com nova convocação do poder
constituinte originário.

Diversas razões justificam que se adote uma
interpretação parcimoniosa e não excessivamente abrangente das cláusulas
pétreas. Em primeiro lugar, destaque-se a necessidade de prover a Constituição
de mecanismos para que possa se ajustar às novas visões e necessidades que
surgem com a evolução da sociedade. O excessivo enrijecimento da Lei Maior, por
meio de uma interpretação muito elástica dos limites materiais ao poder de
reforma, poderia ocasionar a sua “esclerose precoce”. Ou então provocar
demandas de ruptura institucional, com o que um instrumento vocacionado para a
garantia da estabilidade da ordem constitucional acabaria, paradoxalmente, se
convertendo em fonte de instabilidade.[26]
Foi o que registrou com sabedoria o Ministro Gilmar Mendes, ao consignar que “a aplicação ortodoxa das cláusulas pétreas,
ao invés de assegurar a continuidade do sistema constitucional, pode antecipar
a sua ruptura”.[27]

Não bastasse, a banalização dos limites ao poder de
reforma, por meio de uma interpretação muito ampla das cláusulas pétreas,
também não se concilia com o princípio democrático, que postula o direito de
cada geração de se autogovernar.[28]
Afinal, o entrincheiramento de uma decisão, sob o manto de uma cláusula pétrea,
implica vedar ao povo, em cada momento de sua história, a possibilidade de
deliberar sobre aquele assunto.[29]

Isto não significa que as cláusulas pétreas sejam
ilegítimas, ou que devam ser objeto de uma interpretação necessariamente
restritiva. Pelo contrário, elas são fundamentais para a preservação dos
valores e princípios básicos de uma comunidade política, prestando-se, na feliz
expressão de Oscar Vilhena Vieira, à salvaguarda da “reserva de justiça”[30]
do sistema jurídico. Significa, isto sim, que é necessário interpretar com
equilíbrio e moderação tais limites materiais, de modo, de um lado, a não expor
à erosão os princípios básicos da ordem constitucional, mas também, do outro, a
não bloquear a deliberação democrática legítima nem impedir o ajuste da
Constituição às novas necessidades e anseios sociais. Foi o que registrou Luís
Roberto Barroso, em bela passagem:

“A
locução ‘tendente a abolir’ deve ser interpretada com equilíbrio. Por um lado,
ela deve servir para que se impeça a erosão do conteúdo substantivo das
cláusulas protegidas. De outra parte, não deve prestar-se a ser uma inútil
muralha contra os ventos da história, petrificando determinado status quo. A
Constituição não pode abdicar da salvaguarda de sua própria identidade, assim
como da preservação e promoção de valores e direitos fundamentais; mas não deve
ter a pretensão de suprimir a deliberação majoritária legítima dos órgãos de
representação popular, juridicizando além da conta o espaço próprio da
política. O juiz constitucional não deve ser o prisioneiro do passado, mas
militante do presente e passageiro do futuro.”[31]

Por esta razão, a melhor doutrina e a jurisprudência
do STF interpretam o art. 60, § 4º, da Constituição, não como uma proibição
absoluta de que haja qualquer tipo de alteração nos preceitos e institutos
relacionados às cláusulas pétreas, mas sim como interdição de mudanças que
afetem o núcleo essencial dos
princípios e bens jurídicos protegidos.[32]
Como ressaltou a Corte, pela voz do Ministro Sepúlveda Pertence, “as limitações materiais ao poder
constituinte de reforma, que o art. 60, § 4º, da Lei Fundamental enumera, não
significam a intangibilidade literal da respectiva disciplina na Constituição
originária, mas apenas a proteção do núcleo essencial dos princípios e
institutos cuja preservação nelas se protege”.[33]

Assentada esta premissa, cabe analisar a forma como
ela se aplica à cláusula pétrea da separação de poderes, a fim de aferir se
esta foi ou não afrontada pela EC 74/2013.

O princípio da separação de poderes, como se sabe, foi
concebido pelo constitucionalismo liberal visando a assegurar a moderação no
exercício do poder e a proteger a liberdade dos governados.  A ideia essencial, difundida por Montesquieu,[34]
é a de que a atribuição de funções estatais a órgão e pessoas diferentes evita
a concentração excessiva de poder nas mãos de qualquer autoridade, contendo o
despotismo. Outra contribuição fundamental ao desenvolvimento do princípio se
deu por influência do constitucionalismo norte-americano,[35]
que articulou a necessidade de instituição de mecanismos de “freios e
contrapesos” (checks and balances), que
permitissem controles recíprocos entre os poderes, de forma a evitar que
qualquer deles pudesse atuar abusivamente no âmbito das respectivas
competências.

No cenário contemporâneo, a significativa mudança no
papel do Estado, que passou a intervir mais fortemente no âmbito das relações
sociais, ensejou uma releitura do princípio em questão. Por um lado, não há
mais tanta ortodoxia no que concerne à divisão das funções estatais: admite-se,
por exemplo, uma participação maior do Executivo e mesmo no Poder Judiciário no
processo de produção do Direito. Por outro, a separação de poderes passou a ser
mais diretamente associada a preocupações com outros objetivos, especialmente a
legitimação democrática da atuação estatal, a sua eficiência e
profissionalismo, e a proteção efetiva dos direitos fundamentais[36].
Nesse contexto, como registrei em obra doutrinária, “a cláusula pétrea da separação de poderes deve ser pensada sem
fetichismos institucionais que inibam qualquer possibilidade de
experimentalismo democrático na busca de arranjos estruturais mais adequados
aos desafios do Estado contemporâneo”[37].

Portanto, a cláusula pétrea da separação de poderes
não visa a congelar os exatos delineamentos do arranjo institucional definido
pelo poder constituinte originário.[38]
Ela objetiva, isto sim, impedir concentrações excessivas de poder que recaiam
sobre qualquer dos órgãos da soberania, ou práticas que ponham sob grave risco
os valores liberais e democráticos salvaguardados pelo referido princípio. Ela
almeja, em síntese, impedir que “se
verifique, de forma direta ou oblíqua (…) um fortalecimento ou
enfraquecimento desmedido de ‘um poder’, criando-se uma relação de subordinação
entre os poderes onde deveria haver vínculo de coordenação harmônica
”.[39]

No caso da EC 74/2013, é evidente que não ocorreu a
afronta à cláusula pétrea. A emenda operou um ajuste pontual na engenharia
institucional do Estado brasileiro, visando a tornar mais efetiva a atuação da
Defensoria Pública da União, e, com isso, a aprimorar a proteção aos direitos
fundamentais dos excluídos. Não houve subtração desmedida das atribuições e
poderes do Executivo, mas alteração singela, conquanto indispensável para a
concretização dos objetivos fundamentais alentados pela própria Constituição.

Diante do exposto, pode-se concluir que a cláusula
pétrea da separação de poderes (art. 60, § 4º, III, CF), encarnando limite material,
e não formal ao poder de reforma, não tem qualquer relação com o poder de
iniciativa das emendas constitucionais. 
Por outro lado, a EC 74/2013 não afrontou, em seu conteúdo, a referida
cláusula pétrea, pois sequer tangenciou o núcleo essencial do princípio da
separação de poderes.

6.
Conclusão

Diante do que foi exposto, conclui-se que a Emenda
Constitucional nº 74/2013 não viola
qualquer limite ao poder de reforma da Constituição. Ela não padece de vício de iniciativa, porque as regras sobre
iniciativa privativa, previstas no art. 61, §1º, da Constituição, não se
estendem às emendas à Constituição Federal. 
Ela tampouco ofende, em seu conteúdo, a cláusula pétrea da separação de
poderes, pois está longe de atingir o núcleo essencial do princípio.

A atribuição de autonomia funcional e administrativa,
e de iniciativa de proposta orçamentária à Defensoria Pública da União se
afigura essencial para que tal instituição possa cumprir adequadamente a sua
missão constitucional, e atuar de forma mais efetiva na garantia dos direitos
dos excluídos. Por isso, a EC nº 74/2013, mais do que compatível com a
Constituição, é medida indispensável para a promoção de objetivos fundamentais
da ordem constitucional, ligados à construção de uma sociedade mais livre,
justa e solidária, em que os direitos dos pobres sejam mais do que promessas
vazias em “pedaços de papel”.

É o parecer.

Rio de Janeiro, 14 de abril de 2015.

DANIEL
SARMENTO

Professor de Direito Constitucional da UERJ

Mestre e Doutor em Direito Público pela UERJ

Pós-doutor na Yale Law School

[1] A EC 74/2013 também aludiu à
Defensoria Pública do Distrito Federal. Porém, a expressa extensão a esta das
garantias institucionais atribuídas às defensorias estaduais pela EC 45/04 já
tinha sido anteriormente assegurada pelo art. 2º da EC 69/2012.
[2] Veja-se, a propósito, Oscar
Vilhena Vieira. “A Desigualdade e a Subversão do Estado de Direito”. In: Daniel Sarmento, Daniela Ikawa e
Flávia Piovesan (Orgs.). Igualdade,
Diferença e Direitos Humanos.
 Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008, pp. 191-216.
[3] Cf. Jessé de Souza (Org). A Ralé Brasileira: quem é e como vive.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
[4] Por essa razão, Ana Paula de
Barcellos afirmou que a garantia do acesso à justiça integra o mínimo existencial, compondo o conteúdo
nuclear do princípio da dignidade da pessoa humana. Cf. Ana Paula de Barcellos.
A Eficácia Jurídica dos Princípios
Constitucionais.
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.  Rio de Janeiro: Renovar, 2002, pp. 293-301.
[5]
Mauro Cappelletti e Bryant Gath. Acesso à Justiça.  Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre:
Sérgio Antonio Fabris, 2002, p. 12.
[6] Veja-se, a propósito, Cleber
Francisco Alves.  Justiça para Todos!  Assistência Jurídica Gratuita nos Estados
Unidos, na França e no Brasil. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
[7] Ag. Inst. 598212 ED, 2ª Turma,
Rel. Min. Celso Mello, julg. 25.03.2014.
[8] Nesse mesmo sentido, a
Organização dos Estados Americanos – OEA aprovou, em junho de 2014, a Resolução
nº 2821, em que recomendou aos Estados que concedam aos defensores públicos independência
e autonomia funcional, financeira e/ou orçamentária e técnica (item 5).
[9] Voto proferido na ADI 4163, Rel.
Min. Cezar Peluso, julg. 29.02.2012.
[10] No Senado, a EC 74 foi aprovada,
em primeiro turno, por 62 votos favoráveis, um voto contrário e uma abstenção.
No segundo turno, houve 65 votos favoráveis, nenhum voto contrário e nenhuma
abstenção. Na Câmara dos Deputados, no primeiro turno houve 408 votos
favoráveis, 3 votos contrários e uma abstenção. No segundo turno, foram 388
votos favoráveis, um voto contrário e uma abstenção.
[11] MS 33.193 MC, Rel. Min. Rosa
Weber, julg. 30.10.2014.
[12] Cf. Defensoria Pública da União.
Assistência Jurídica Integral e Gratuita
no Brasil: Um panorama da atuação da Defensoria Pública da União,
2014.
[13] A DPU também atua em instâncias
administrativas, como ocorre perante o Tribunal Marítimo.
[14] Daniel Sarmento e Cláudio
Pereira de Souza Neto. Direito
Constitucional:
teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte:
Fórum, 2012, p. 287.
[15] Neste sentido, veja-se, dentre
outros, Luís Roberto Barroso.  Curso de Direito Constitucional Contemporâneo.
São Paulo: Saraiva, 2009; Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e
Daniel Mittidiero. Curso de Direito
Constitucional.
São Paulo: RT, 2012, p. 115; José Afonso da Silva. Comentário Contextual à Constituição.  São Paulo: Malheiros, 2005; p.440; Gilmar
Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional.  São Paulo: Saraiva, 9ª ed, 2013, p. 119; Ingo
Wolfgang Sarlet e Rodrigo Brandão. “Art. 60”. In: J. J. Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang
Sarlet e Lênio Luiz Streck. Comentários à
Constituição do Brasil.
 São Paulo:
Saraiva, p. 1128.
[16] Por honestidade intelectual,
cumpre ressaltar que, na linha da argumentação aduzida na ADI 5.296, há apenas
uma polêmica decisão monocrática, proferida pelo Ministro Joaquim Barbosa, que
suspendeu a aplicação da EC 73/2013, que criara novos tribunais regionais
federais, sob a alegação de que se teria ofendido, na hipótese, a iniciativa
privativa do Judiciário no processo legislativo (ADI 5.016/MC, decisão
proferida em 17/06/2013). Para uma bem elaborada crítica a esta decisão,
veja-se Clèmerson Merlin Clève. “Parecer. Criação de Tribunais Regionais por
Emenda Constitucional. Possibilidade”, acessível em www.cleveadvogados.com.br.
[17] Veja-se, a propósito. Dawn
Oliver e Carlo Fusaro. How
Constitutions Change:
 A Comparative
Study. Oxford: Hart
Publishing, 2011.
[18] ADI 3.367, Rel. Min. Cezar
Peluso, DJ 25.04.2005.
[19] O tema da suposta
inconstitucionalidade formal, por vício de iniciativa, da EC 45/04, não foi
examinado na ocasião. Contudo, se considerasse inconstitucional a referida
emenda por este fundamento, o STF reconheceria o pretenso vício, ainda que o
mesmo não tivesse sido suscitado na inicial da ADI 3.367. É que, no âmbito da
jurisdição constitucional abstrata, vigora o princípio da causa petendi aberta, que enseja a possibilidade da invalidação de
atos normativos por motivos diversos daqueles aduzidos pelo requerente.
[20] Veja-se, a propósito, Sérgio
Ferrari.  Constituição Estadual e Federação.  Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; Marcelo
Labanca Corrêa de Araújo. Jurisdição
Constitucional e Federação:
O princípio da simetria na jurisprudência do
STF. Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 2009; e Daniel Sarmento e Cláudio
Pereira de Souza Neto. Direito
Constitucional:
 teoria, história e
métodos de trabalho. Op. cit., pp.
327-339.
[21] Luís Roberto Barroso. Texto da
contracapa do livro de Sérgio Ferrari.  Constituição Estadual e Federação. Op. cit.
[22] Sobre o tema, que será
aprofundado no próximo item, veja-se Oscar Vilhena Vieira. A Constituição e sua Reserva de Justiça.: um ensaio sobre os
limites materiais ao poder de reforma. São Paulo: Malheiros, 1999; Rodrigo
Brandão. Direitos Fundamentais,
democracia e cláusulas pétreas.
Rio de Janeiro: Renovar, 2008; e Daniel
Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto.  Direito Constitucional:  teoria, história e métodos de trabalho. Op. cit., pp. 281-326.
[23] Para uma crítica do princípio da
simetria, veja-se, Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto. Direito Constitucional:  teoria, história e métodos de trabalho. Op. cit., pp. 335-337; e Leonardo
Marins. “Limites ao Princípio da Simetria Constitucional”. In: Cláudio Pereira de Souza Neto, Daniel Sarmento e Gustavo
Binenbojm (Orgs). Vinte Anos da
Constituição Federal de 1988
. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pp.
689-710.
[24] Inicialmente, o STF adotava esta
orientação inclusive para a elaboração da própria Constituição estadual. Nesse
sentido, chegou a decidir que “as regras
de processo legislativo previstas na Carta Federal aplicam-se aos
Estados-membros, inclusive para criar ou revisar as respectivas Constituições

(ADI 1.353, Rel. Min. Maurício Corrêa, julg. 20.03.2003). Mais recentemente, a
Corte parece ter revisto a sua jurisprudência neste ponto, ao afirmar que “a regra do Diploma Maior quanto à iniciativa
do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não
suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio
Estado
” (ADI 2581, Rel. Min. Marco Aurélio, julg. 16.08.2007).
[25]ADI 3930, Rel. Min. Ricardo Lewandowski,
julg. 16.09.2009.
[26] Neste sentido, cf. Ingo Wolfgang
Sarlet e Rodrigo Brandão. “Art. 60”. In: J.
J. Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet e Lênio Luiz
Streck. Comentários à Constituição do
Brasil.
 São Paulo: Saraiva, p. 1131;
Daniel Sarmento. “Direito Adquirido, Emenda Constitucional, Democracia e
Justiça Social”. In: Livres e Iguais:  Estudos de Direito Constitucional. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010, pp. 3-31.
[27] ADI 2.395, Rel. Min. Gilmar
Mendes, julg. 09.05.2007. Na mesma linha, assentou o Min. Sepúlveda Pertence: “Convém não olvidar que, no ponto, uma
interpretação radical e expansiva das normas de intangibilidade da
Constituição, antes de assegurar a estabilidade institucional, é a que arrisca
legitimar rupturas revolucionárias ou dar pretexto à fácil tentação de golpes
de Estado”
(MS 23.047, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 14.11.2003).
[28] Cf. J. J. Gomes Canotilho.  Direito Constitucional e Teoria da
Constituição.
Coimbra: Almedina, 1998, p. 943.
[29] Por esta razão, o art. 28 da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão contida na Constituição francesa
de 1793, afirmou: “um povo tem sempre o
direito de rever, de reformar e de mudar a sua constituição. Uma geração não
pode sujeitar às suas leis as gerações futuras”. 
 Também por esse motivo, Thomas Jefferson, durante
os debates que cercaram a elaboração da Constituição norte-americana, defendeu
a realização de uma nova convenção constitucional a cada 19 anos, a fim de
evitar que a Constituição se convertesse num instrumento de “governo dos mortos sobre os vivos”.  Sobre este debate, na filosofia política,
veja-se Jon Elster. Ulisses and Sirens. Cambridge:
Cambridge University Press, 1979.
[30] Oscar Vilhena Vieira. A Constituição e sua Reserva de Justiça.: um
ensaio sobre os limites materiais ao poder de reforma.  Op.
cit.
[31] Luís Roberto Barroso.  Curso
de Direito Constitucional Contemporâneo:
os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 168.
[32] Cf, e.g., Luís Roberto Barroso.  Curso
de Direito Constitucional Contemporâneo:
os conceitos fundamentais e a
construção do novo modelo. Op. cit., pp.
168-171; Ingo Wolfgang Sarlet. Eficácia
dos Direitos Fundamentais.
11ª ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado,
2012, pp. 437-440; Rodrigo Brandão.  Direitos Fundamentais, Democracia e Cláusulas
Pétreas. Op. cit.,
 pp. 285 ss. 
[33] ADI-MC 2.024, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, julg. 27.10.1999.
[34] Charles Louis de Secondat
Montesquieu.  O Espírito das Leis.  Trad. Fernando Henrique Cardoso e Leôncio
Martins Rodrigues. Brasília: Editora UnB, 1995.
[35] Cf. James Madison, Alexander Hamilton e John Jay. O
Federalista.
 Trad. Hiltomar Martins Oliveira. Belo
Horizonte: Líder, 2003.
[36] Veja-se, a propósito, Bruce
Ackerman. A Nova Separação de Poderes.  Trad. Isabelle Maria Campos Vasconcellos e
Eliana Valadares Santos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
[37] Daniel Sarmento e Cláudio
Pereira de Souza Neto.  Direito Constitucional:  teoria, história e métodos de trabalho.  Op.
cit.,
 p. 306.
[38] Tal orientação também se infere
da jurisprudência do STF, que, no julgamento da ADI 3.367, refutou a alegação
de ofensa à cláusula pétrea da separação de poderes na instituição do CNJ pela
EC 45/2004, apesar de a referida emenda ter tocado, em alguma medida, na
conformação do Poder Judiciário e na sua relação com os demais poderes
estatais. No referido julgamento, consignou-se: “a incorporação privilegiada do princípio da separação na ordem
constitucional não significa de modo algum que a distribuição primária de
funções típicas e a independência formal dos Poderes excluam regras doutro
teor, que suposto excepcionais na aparência, tendem, no fundo, a reafirmar a
natureza unitária das funções estatais, a cuja repartição orgânica é imanente a
vocação conjunta de instrumentos da liberdade e da cidadania. Tal arrumação
normativa está longe de fraturar ou empobrecer o núcleo político e jurídico do
sistema, que só estará mortalmente ferido lá onde se caracterizar, à luz de sua
inspiração primordial, usurpação de funções típicas ou aniquilamento prático da
autonomia de cada Poder.”
(ADI 3.367, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ
17.03.2006).
[39] Ingo Wolfgang Sarlet e Rodrigo
Brandão. “Art. 60”.Op. cit.,  p. 1134. Em sentido semelhante, Luís Roberto
Barroso.  Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos
fundamentais e a construção do novo modelo. Op.
cit.,
pp. 174-175.
Comentários fechados.