….nota técnica da AJD contra lei antiterrorismo….

Juízes contra aprovação do projeto que cria o crime de terrorismo

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A Associação Juízes para Democracia lançou neste dia 18/08 nota técnica contra a aprovação do projeto de lei 2016/15 (Lei Antiterrorismo). Para a AJD, os tipos são vagos e abertos, põem em risco o princípio da legalidade e a própria atividade democrática, inclusive diante da probabilidade de aumentar a criminalização dos movimentos sociais.

 

 

 

 

Nota técnica contra a Lei Antiterrorismo

A ASSOCIAÇÃO JUÍZES PARA A DEMOCRACIA – AJD, entidade não governamental, sem fins lucrativos ou corporativistas, que congrega juízes trabalhistas, federais e estaduais de todo o território nacional e de todas as instâncias, e que tem por objetivos primaciais a luta pelo respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito, vem apresentar a presente NOTA TÉCNICA a respeito do Projeto de Lei 2.016/2015 (PL 26016/15), conhecido como Lei Antiterrorismo, cujo texto-base foi recentemente aprovado pela Câmara dos Deputados.

1. A Criminologia Crítica trouxe o entendimento de que as agências punitivas, por impossibilidade de cumprir na integralidade o programa de criminalização primária (identificar e punir todos aqueles que transgridam normas penais), passam a concentrar sua atuação repressiva em fatos grosseiros, por isso mesmo de fácil apuração, praticados por pessoas vulneráveis e sem acesso positivo às agências políticas, econômicas e de comunicação social (Zafaroni, Nilo Batista). Daí se dizer que o Direito Penal atinge quase exclusivamente a população pobre, aferição que pode ser facilmente confirmada se analisarmos a composição social da população carcerária brasileira.
2. Inexiste, no Brasil, histórico importante ou recente de atentados terroristas; o que há, em contrapartida, é o exercício mais amplo de liberdades públicas antes proscritas, tais como as manifestações de rua, como forma de luta por direitos e emancipação de grupos sociais historicamente excluídos.

3. É próprio de Estados autoritários a difusão e exploração de cenários de medo e desassossego para justificar a edição de leis que, a pretexto de salvaguardar valores abstratos tais como “segurança nacional” e “ordem pública”, têm por objetivo o controle social das camadas menos favorecidas, impedindo-lhes o exercício das liberdades públicas e criminalizando movimentos sociais legítimos.

4. É neste contexto que o princípio da legalidade estrita (artigo 5°, X artigo 5°, incisos II e XXXIX, da Constituição Federal; artigo 1°, do Código Penal), exige que a conduta criminalizada seja perfeita e objetivamente delimitada por lei anterior, em ordem a permitir que se conheça, de antemão, os limites do comportamento penalizado. Evita-se, assim, a proliferação de tipos penais com conceitos demasiadamente abertos e indeterminados, que possam ser facilmente utilizados, com um ínfimo esforço argumentativo, para alcançar uma gama de comportamentos os mais variados, permitindo que a criminalização de condutas passe dos estritos limites da lei ao alvedrio arbitrário e moralista das agências punitivas.

5. Exatamente na contramão dessas garantias democráticas, coloca-se a proposta de Lei Antiterrorismo (PL 26016/15), que traz, em seu bojo, ladeados por penas altíssimas, tipos penais permeados de conceitos equívocos, tais como “provocar ou infundir terror ou pânico generalizado”, obter “ativo, bem ou recurso financeiro com a finalidade de financiar (…) prática de terrorismo”, “incitar o terrorismo”, “associarem-se três ou mais pessoas com o fim de praticar o terrorismo”. Cuida-se de figuras típicas com estrondosa capacidade de flexibilização, passíveis de alcançar qualquer conduta – inclusive atos preparatórios e mesmo de cogitação – não alcançados por outras modalidades incriminadoras, verdadeiros coringas performáticos colocados a serviço do patrulhamento ideológico e da expansão do Estado Policial.

6. Considerando-se que, no mais das vezes, atos de terrorismo são levados a tento em contexto de fanatismo ideológico ou religioso, sendo seus praticantes pouco suscetíveis aos poderes dissuasórios (prevenção geral) da pena, tomando-se em conta a já referida ausência de histórico de atentados desta natureza no País e a seletividade do Direito Penal, a alcançar primordialmente atos grosseiros praticados por vulneráveis, fica evidente que as consequências deste arroubo atécnico de expansionismo criminal estão endereçadas, uma vez mais, às classes menos favorecidas e aos movimentos sociais emancipatórios, em evidente marcha de retrocesso ao objetivo de construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
7. A disposição do parágrafo 3o, acrescido ao artigo 1o da Lei n. 12.850/2013, embora formalmente exclua “manifestações políticas, movimentos sociais ou sindicais” do conceito de organizações terroristas, não impedirá que, na aplicação concreta da norma penal, insurgências individuais ou coletivas politicamente motivadas sejam categorizadas como ações terroristas. A indefinição dos elementos normativos “provocar o terror” e “coagir autoridades”, as imprecisões semânticas e os vícios de redação legislativa contidos nos artigos 2o-A, 2o-B e 2o-C implicarão concentração na figura do julgador do poder de diferenciar ações terroristas de ações destinadas a “defender ou buscar direitos, garantias e liberdades constitucionais”, dando-se margem a subjetivismo no juízo de tipicidade das condutas, situação inconciliável com os princípios norteadores do Direito Penal.
A Associação Juízes para a Democracia pugna, assim, pela rejeição do PL 26016/15. Se aprovado, o referido projeto trará um verdadeiro retorno do Estado Policial, obstando a mobilização social, especialmente da população mais pobre, o que não se coaduna com a ambiciosa democracia participativa prometida em sede constitucional.
São Paulo, 18 de agosto de 2015.

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