O ímpeto da modernidade se esgarça quando estão em jogo questões sexuais e de gênero
Perto da sisudez dogmática do antecessor Joseph Ratzinger, Francisco exala simplicidade e carisma que conquista a todos, católicos ou não.
O novo papa não se comporta como uma autoridade emparedada por mesuras e privilégios, tem enorme empatia pelo calor popular e a magnitude de seu encargo religioso não o afasta de um comportamento afável e até mesmo espirituoso.
Nada melhor que o papa Francisco para personificar a ideia de mudança em uma Igreja que vem sendo constantemente arranhada por episódios de omissão na acusação de pedofilia de seus padres e atolada pela dimensão obscura de forças tão ocultas que tornaram inviável o papado de Bento XVI.
Mas o ímpeto dessa modernidade se esgarça quando estão em jogo questões sexuais e de gênero, ainda um tabu para o Vaticano e mesmo religiosos de diversos credos que gastam esforços para impor padrões de moralidade aos demais.
Francisco representará efetivamente uma mudança se diminuir a força da Igreja Católica na reação a famílias homossexuais e reduzir a pressão do lobby religioso contra a ampliação dos casos de aborto legal.
Homossexuais e mulheres sofrem na carne a força destes dogmas, a virulência do preconceito e o descaso para com a saúde, quando as reprovações morais se mostram prioritárias.
Se a Igreja da América Latina já se notabilizou pela opção preferencial aos pobres, é hora de dedicar também sua pregação aos filhos que são colocados à margem por sua própria doutrina.
A criminalização do aborto é um dos principais fatores de morte de mulheres pobres no país, fazendo com que a propalada defesa do direito à vida se transforme em retórica que só o esvazia.
A fixação em considerar a homossexualidade como uma perturbação anormal, traduz, paradoxalmente, a reprovação àquilo que parece ser o esteio de qualquer transcendência: a realização do amor.
A repulsa ao homossexual como pessoa dotada de iguais direitos, inclusive o inalienável direito à felicidade -casando e adotando, por exemplo- acaba por vitaminar o preconceito.
A história, inclusive das religiões, já nos ensinou o suficiente sobre os imponderáveis riscos da intolerância.
Sabe-se que é justamente pela contrariedade das forças religiosas, que as alterações legais nestes pontos sensíveis são cada vez mais difíceis nas instâncias políticas.
O combate à homofobia e mesmo a redução de danos nos casos de aborto legal tornam-se temas quase proibitivos.
A Igreja pode continuar com dogmas ou recomendações a fiéis, mas não precisa agir para impor preceitos aos que não partilham da mesma fé.
É isso basicamente que sustenta a laicidade de um Estado, que não deve se medir ou ser formatado pela influência de qualquer religião.
Que a visita de Francisco e o abrigo que o povo brasileiro carinhosamente lhe oferece possam ser cúmplices dessa transformação.
Saudemos ao papa e torçamos para que ele possa contribuir para que sua Igreja também empreenda uma jornada que a rejuvenesça.
Comentários fechados.