Um conflito sobre os olhares da execução da pena
O filme não é novo, mas vale uma revisita –e um olhar de
Direito para nossa Cinemateca.
Direito para nossa Cinemateca.
Como outros baseados em livros de Stephen King, o
interessante de À espera de um milagre
(The Green Mile, 1999) é a nuance entre o humano e o sobrenatural, que envolve
o personagem de John Coffy, na estupenda representação de Michael Clark Duncan.
Condenado à cadeira elétrica pelo estupro e homicídio de duas meninas, Coffy é
alojado no corredor da morte da Prisão de Louisiana (Green Mile), onde Paul
Edgecombe (Tom Hanks) é o chefe dos agentes penitenciários.
interessante de À espera de um milagre
(The Green Mile, 1999) é a nuance entre o humano e o sobrenatural, que envolve
o personagem de John Coffy, na estupenda representação de Michael Clark Duncan.
Condenado à cadeira elétrica pelo estupro e homicídio de duas meninas, Coffy é
alojado no corredor da morte da Prisão de Louisiana (Green Mile), onde Paul
Edgecombe (Tom Hanks) é o chefe dos agentes penitenciários.
A bondade e o sentimento de justiça que exalam de Coffy
são desproporcionais à acusação que o leva à condenação e essa ambiguidade vai
ser responsável pelo drama de consciência em que mergulha Edgecombe, que tem a
função de tirar-lhe a vida.
são desproporcionais à acusação que o leva à condenação e essa ambiguidade vai
ser responsável pelo drama de consciência em que mergulha Edgecombe, que tem a
função de tirar-lhe a vida.
Mas a dubiedade que interessa, e ajuda a compreender a
função da execução da pena, está no comportamento humano e sensato dos agentes
penitenciários liderados por Edgecombe e o sadismo do novato Percy (Doug Hutchison), sempre disposto a ver os condenados
sofrerem o tanto quanto possível e ainda um pouco mais.
função da execução da pena, está no comportamento humano e sensato dos agentes
penitenciários liderados por Edgecombe e o sadismo do novato Percy (Doug Hutchison), sempre disposto a ver os condenados
sofrerem o tanto quanto possível e ainda um pouco mais.
Treinados para fazer os presos aguardarem em paz e
tranquilidade os momentos finais, os agentes de Edgecombe se revoltam com a
maldade e a brutalidade de Percy, estabelecendo-se aí o conflito que desperta a
atenção jurídica.
tranquilidade os momentos finais, os agentes de Edgecombe se revoltam com a
maldade e a brutalidade de Percy, estabelecendo-se aí o conflito que desperta a
atenção jurídica.
Nesta dualidade reside a distinção de olhares que marca a
execução penal.
execução penal.
Percy não se cansa de xingar e humilhar os presos, com
base na brutalidade de seus crimes. Edgecombe respeita seu direito ao silêncio
final.
base na brutalidade de seus crimes. Edgecombe respeita seu direito ao silêncio
final.
Percy é a explicação viva do porquê a execução penal não
pode estar a cargo de policiais –enquanto agentes incumbidos da repressão aos
crimes, e vinculados às condenações.
pode estar a cargo de policiais –enquanto agentes incumbidos da repressão aos
crimes, e vinculados às condenações.
Edgecombe e os demais assumem integralmente a função de
custódia, tanto no que ela tem de segurança quanto no que ela tem de cuidado.
Seu interesse é levar a execução a bom termo –o que, no caso, significa uma
morte digna, sem crueldade nem sofrimentos desnecessários.
custódia, tanto no que ela tem de segurança quanto no que ela tem de cuidado.
Seu interesse é levar a execução a bom termo –o que, no caso, significa uma
morte digna, sem crueldade nem sofrimentos desnecessários.
Mas a díade pode ensinar um pouco mais, inclusive sobre o
papel dos juízes, eis que a metáfora nos permite que se veja além dos
uniformes.
papel dos juízes, eis que a metáfora nos permite que se veja além dos
uniformes.
Pode-se fazer um paralelo de Percy com a personificação
do olhar do juiz da condenação que julga o réu pelos fatos que praticou;
Edgecombe é a encarnação do olhar de execução, que remete não ao passado, mas
ao futuro, não ao crime praticado, mas à forma de cumprir a pena que foi determinada.
do olhar do juiz da condenação que julga o réu pelos fatos que praticou;
Edgecombe é a encarnação do olhar de execução, que remete não ao passado, mas
ao futuro, não ao crime praticado, mas à forma de cumprir a pena que foi determinada.
Respeitadas as proporções –eis que o filme enfoca a pena
de morte- há uma questão que perpassa a ficção: executar a pena não significa
condenar o sentenciado novamente a cada dia.
de morte- há uma questão que perpassa a ficção: executar a pena não significa
condenar o sentenciado novamente a cada dia.
Mesmo quando não estamos diante da brutalidade ou do
sadismo, executar a pena com olhos no passado implica em sentenciar o mesmo réu
diversas vezes. Negar-lhe direitos ou progressões, por exemplo, com fundamento
na gravidade do crime, que já foi considerada na fixação da pena. Condená-lo
indefinidamente é, em resumo, negar-lhe a execução da pena.
sadismo, executar a pena com olhos no passado implica em sentenciar o mesmo réu
diversas vezes. Negar-lhe direitos ou progressões, por exemplo, com fundamento
na gravidade do crime, que já foi considerada na fixação da pena. Condená-lo
indefinidamente é, em resumo, negar-lhe a execução da pena.
Como ensina Carmen Silvia de Moraes Barros, “enquanto a
individualização no processo de conhecimento implica proporcionalidade entre
crime (fato) e pena e está voltada ao passado, a individualização da execução
implica proporcionalidade entre homem condenado e pena em execução e está
voltada ao presente e ao futuro do sentenciado” (A individualização da pena na execução criminal, Ed. RT, SP, 2001,
p.133).
individualização no processo de conhecimento implica proporcionalidade entre
crime (fato) e pena e está voltada ao passado, a individualização da execução
implica proporcionalidade entre homem condenado e pena em execução e está
voltada ao presente e ao futuro do sentenciado” (A individualização da pena na execução criminal, Ed. RT, SP, 2001,
p.133).
Implodir certezas judiciais, destruir preconceitos,
desmontar maniqueísmos.
desmontar maniqueísmos.
À
espera de um milagre vale a pena a ser visto por inúmeros
motivos, além da intrigante história e as marcantes representações.
espera de um milagre vale a pena a ser visto por inúmeros
motivos, além da intrigante história e as marcantes representações.
Mas eu lhes convido a assisti-lo (ou revê-lo) e pensar
sobre a ótica da execução penal.
sobre a ótica da execução penal.
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