Quando o despudor é tão explícito, as omissões também saltam aos olhos
Se há algo de que o deputado Eduardo Cunha não pode ser acusado é de sutilezas.
Nesse ano em que presidiu a Câmara, e foi protagonista de tantas notícias alarmantes, entre barbaridades políticas e escândalos financeiros, nada foi indireto ou sinuoso.
Insatisfeito com a decisão do plenário na véspera, Cunha manobrou a olhos vistos para refazer a votação no dia seguinte. Demitiu funcionário que demonstrara seus erros. Emparedou testemunhas e deputados que fariam parte de sua bancada pessoal.
Flagrado na posse de polpudas verbas supostamente ilícitas depositadas em bancos suíços, e de mentir sobre estas em depoimento na CPI, Cunha simplesmente silenciou sobre o assunto, até que tivesse tempo de construir uma versão, ainda que inverossímil.
Corporativa, reacionária e autoritária.
Sua gestão à frente da Câmara não surpreendeu quem conhecia seu currículo, representante do baixo clero e da bancada evangélica, citado em diversas irregularidades ao correr dos mandatos. Mas se há algo que se evidenciou neste longevo ano de 2015 foi a capacidade de chantagear e de manter governo e oposição sob a mira de seus próprios interesses.
O último ato não poderia ser outro diante da grandiloquência da trajetória. Num dia, propõe à oposição aceitar o pedido de impeachment em troca do arquivamento no Conselho de Ética, noutro ameaça o governo de aceitar o pedido, caso os parlamentares do PT não se curvassem a seu desejo.
E sem qualquer constrangimento -esta talvez a novidade no prontuário de nossas malversações, na vida pregressa de uma democracia ainda muito turvada de fisiologismo- cumpriu imediata e publicamente a ameaça que fizera no dia anterior.
Sem sutilezas, nem sinuosidades.
O despudor explícito de Cunha produz, todavia, um aspecto positivo: ninguém pode se escusar de não tê-lo visto. De duvidar de suas ameaças. De não entender a dinâmica de seus fundamentos. Quem está em sua companhia não pode alegar desconhecer o caráter ou a mecânica de sua política.
Nem mesmo o governo se limpa por completo ao resistir à Cunha no último momento, como se jamais tivesse com ele acordado em outros tantos –em tratativas que que buscou ou entabulou ao longo do ano.
Mas quem quer que tenha se animado a recolocar na rua o bloco do impeachment nestas condições, sob o pálio de sua chantagem e da ameaça nela contida e cumprida, vai ter de conviver com o desdouro de sua parceria, o pecado original de uma proposta que nasce das entranhas explícitas de uma extorsão.
Esse impeachment, a pena em busca de um processo, a condenação à cata incessante de um motivo, não sairá sem que seus proponentes tenham sido obrigados a sujar as próprias mãos. Enfim, o que quer que aconteça com o processo, iniciá-lo terá sido um tiro no pé da democracia.
Mas ainda vai pairar a indagação sobre o Ministério Público, que chegou a sugerir uma inusitada interpretação legal para postular a “decretação de prisão em flagrante” de um senador –e dos ministros do STF que a acolheram semana passada.
Como é possível que diante de tamanha desenvoltura entre ameaças, imposições e chantagens, em processos administrativos e criminais, nenhuma das autoridades, assim tão vigilantes com a ordem, tenha sequer suscitado a necessidade de seu afastamento, permitindo que continuasse manuseando o poder público em benefício de privados interesses?
Quando o despudor é tão explícito, as omissões também saltam aos olhos.
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