O futebol brasileiro não envergonhou. Mas o excesso de disciplina, ressentimento e um grupo fechado em si formatou um modelo de autoritarismo na seleção que não é motivo de orgulho
No final da vitoriosa Copa das Confederações, a comemoração dos brasileiros chocou a muitos e alertou os organismos do futebol internacional.
O “I belong to Jesus” de Kaká, Lúcio e outros expoentes do time acabou sendo expressamente barrado pela FIFA. Aqui e ali, todavia, sobraram referências na imprensa para o poder de Jorginho na organização do time, e suas vinculações com a rede de atletas e profissionais evangélicos.
O marketing religioso deve ser excluído do futebol não porque seja ruim ou perverso em si, mas, sobretudo, porque não é inclusivo.
Do alto do poder disciplinador do técnico Dunga, é de se considerar que a questão religiosa foi sensivelmente menos importante na Copa da África.
Ressurgiu, com a seleção, todavia, um regime quase militar, ainda mais excludente.
Hierarquia, comando, respeito, comprometimento, disciplina.
Dunga levou para a África do Sul uma nova pátria de chuteiras e estampou sua “ordem e progresso” no eterno retorno de um ufanismo com matiz autoritário, que não presta contas nem se abre ao diálogo.
Ame-o ou deixe-o.
Dunga afastou as más influências do ancièn regime e ignorou alguns craques que surgiram pelo caminho, mas que ao grupo não pertenciam -e portanto, não mereciam estar lá.
Craque é o próprio grupo, com homens dispostos ao sacrifício, focados e disciplinados, trancados e calados.
Quem assistiu ao filme “A Onda”, que reproduz, na Alemanha dos dias atuais, uma experiência praticada nos Estados Unidos da década de 70, deve encontrar notáveis paralelos.
Para explicar “autoritarismo” para alunos de colegial, o professor faz uma experiência na qual propõe formar um grupo coeso e disciplinado, fortalecido enquanto unidade e que se diferencia de todas as demais classes da escola.
Cria um slogan, uma marca, um uniforme e uma forma de conduta moralista e arrogante. No curso do projeto, os alunos se envolvem animados pela grandeza que forjam, aprendendo, sem se dar conta disso, como foi possível a atuação de Hitler na Alemanha.
E como o autoritarismo se formatou através das noções de ordem, disciplina, moral e conjunto, arrematando, ainda, ressentidos que encontravam um lugar de destaque.
Em pouco tempo, fechado em si, aquele grupo de alunos discrimina a todos os demais estudantes que dele não fazem parte, e reage de forma violenta a qualquer um que tenta furar esta unidade.
Dunga cumpriu com louvor a missão que lhe foi inicialmente imposta pelas autoridades: afastar aqueles a quem os dirigentes imputaram, por mau comportamento, a responsabilidade pelo fiasco na Alemanha. Depois, é lógico, de terem se aproveitado financeiramente de seus prestígios de celebridades.
Mas, por óbvio, ele excedeu ao que lhe era exigido, ao se ungir no próprio papel de autoridade imperial, e banir também os interesses comerciais, que costumavam fazer da seleção, um casting da rede Globo.
Isto deu a Dunga uma sobrevida moral na opinião pública, no papel de um pretenso quixote. Enquanto isso, os dirigentes se escondiam para não se contaminarem com o fracasso certo de seu Frankenstein.
As derrotas do futebol só podem ser por ele explicadas.
O Brasil perdeu para um time que vinha invicto há mais de vinte partidas, com disciplina tática e craques muito conhecidos.
A idéia de que o Brasil é a melhor seleção do mundo se lastreia em números que não resistem a menor abordagem científica.
Nossa estatística é um palco de superstições, pois Pelé, Garrincha e Ronaldo não estão mais nos campos. Seus feitos não podem ser contabilizados junto à seleção de Dunga que, aliás, jamais os teria convocado, seja pela indisciplina, juventude ou insubmissão.
De toda a forma, é de se notar que o Brasil não volta da África, envergonhado pelo futebol, como França, Itália e Inglaterra.
Mas sim pelo ressurgimento de um comportamento autoritário que, por tudo o que já passamos, devia provocar aflições.
Que a derrota de Dunga nos poupe de mais disciplina e arrogância, moralismo e ressentimento, ufanismo e exclusão.
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