Internação em hospital penitenciário após o parto aumenta risco de morte de bebês
A juíza da Vara da Infância e Juventude de São Paulo, Dora Martins, concedeu antecipação de tutela à Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público paulista para que o Estado “se abstenha de enviar ao Hospital Penitenciário detentas recém paridas e seus respectivos filhos, exceto em caso de ocorrência médica que exija a internação”. Caso a detenta venha dar à luz a seu filho no Hospital Penitenciário, segundo a decisão liminar, ela deverá, após a alta hospitalar, “ser dali removida, juntamente com o filho, para local adequado, que o Estado deve indicar no prazo de 180 dias”.
A decisão está fundamentada na denúncia de que o Estado descumpre princípios constitucionais e normas legais ao expor, a risco de morte, bebês recém-nascidos mantendo-os, juntamente com as mães detentas, no Bloco D da unidade de internação do Hospital Penitenciário, onde já houve surtos de varicela, que atingiu várias crianças, e ainda convivem em ala próxima a que abriga portadores de doenças infectocontagiosas, como a tuberculose.
VISTOS
Promove o Ministério Público esta Ação Civil Pública contra o Estado de São Paulo – Fazenda Pública, alegando e pedindo, em resumo, o seguinte: no cumprimento de seu mister, o Estado vem descumprindo ditames legais e princípios constitucionais ao expor a risco de morte bebês recém nascidos e crianças de tenra idade, filhos e filhas de mães detentas; estas, após darem a luz a seus filhos, permanecem com eles “internadas” no bloco (ala) D da unidade de internação do Hospital Penitenciário, pelo prazo mínimo de seis meses; tal prazo é o que estabelece a Lei de Execução Penal para que as detentas que dêem à luz permaneçam com seus filhos para deles cuidar e amamentá-los até, ao menos, o sexto mês de vida deles (art. 83, par. 2o.); esse período de convivência, segundo os ditames legais, deve ser cumprido em espaço próprio e adequado, dentro dos estabelecimentos penais, de modo a garantir o direito das crianças de serem alimentadas pelas mães, que estão presas, bem como o direito delas, crianças, à saúde e bem estar; a permanência dessas mães e filhos, em ala do Hospital Penitenciário, ofende as determinações legais que exige, para tal, espaço adequado (artigo 83, par. 2º da LEP); pede-se a antecipação da tutela a fim de garantir a vida e saúde dos bebês, os quais, enquanto permanecerem na ala D do Hospital Penitenciário, estão expostos a doenças e risco de morte; e houve surto de varicela, que atingiu várias crianças, além de conviverem elas em ala próxima daquela que abriga portadores de doenças infectocontagiosas (tuberculose, HIV).
A inicial veio instruída com farta documentação produzida durante inquérito civil público, que teve início em 2003, inquérito esse originado em razão de dados obtidos e relatados pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, que, em vistoria realizada no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário, apurou lá diversas irregularidades, sendo, uma delas, a situação irregular imposta às crianças de terna idade, filhas das detentas que deram à luz dentro da prisão.
Este o relatório. Decido.
A antecipação de tutela é de rigor.
Tratados Internacionais, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente garantem às crianças e aos adolescentes o direito “à proteção da vida e saúde, desde o nascimento, promovendo, ainda, seu desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência” (artigo 7o., ECA).
Os dados apresentados no inquérito civil público, e toda a documentação que o embasa, conferem verossimilhança às alegações apresentadas na inicial e, tratando-se da vida de bebês recém-nascidos e de tenra idade, é patente o fundado receio de ocorrência de danos irreparáveis, vez que estão eles, vivendo em ambiente insalubre, expostos a risco de contração de doenças graves, que podem levá-los a óbito (em 2009, havia dezenas de mães e seus filhos, na ala D, do mencionado hospital, quando lá ocorreu surto de varicela, com efetiva exposição dos bebês a risco; na próxima ala C estão acolhidas detentas que portam doenças como tuberculose e outras do tipo infectocontagiosas (fls. 296/297).
Ao Estado cabe criar e por em prática políticas públicas que atendam à situação da mulher encarcerada e aos direitos de seus filhos, em especial quando nascidos estes dentro do sistema prisional.
Da imensa população carcerária, que hoje conta cerca de 500 mil detentos, por volta de 34 mil são mulheres. Sendo São Paulo o Estado que concentra a maior parte dessa população presa, não é dado ao poder Executivo procrastinar o atendimento às detentas -mães e seus filhos, vindos à luz dentro dos estabelecimentos prisionais.
Assim, ainda que se anuncie projeto em andamento para a construção de espaço adequado para as detentas e seus filhos, urge que o Estado cesse a conduta lesiva, descrita na inicial, que se constata desde 2007, a qual põe em risco e afeta os interesses e magnânimos direitos das crianças nascidas dentro do sistema penitenciário paulista.
O direito à vida, à saúde, à convivência com mãe, para ser cuidado e amamentado, por, no mínimo, seis meses, em ambiente salubre e digno tem que ser garantido às crianças, filhas e filhos de detentas, que se encontram sob a custódia do Estado de São Paulo.
Assim, presentes os requisitos legais, e com vistas a evitar danos graves e irreparáveis aos bebês e crianças que nascem e vivem temporariamente com suas mães, dentro dos estabelecimentos prisionais, defiro a tutela solicitada, antecipadamente, para determinar:
a) que, no prazo de 180 dias, a contar da data da intimação desta decisão, o Estado de São Paulo abstenha-se de enviar ao Hospital Penitenciário detentas recém paridas e seus respectivos filhos, exceto em caso de ocorrência médica que exija a internação; se a detenta vir a dar a luz a seu filho em dito hospital, deverá , após a alta hospitalar, ser dali removida, juntamente com o filho, para local adequado;
b) que, no mesmo prazo, o Estado de São Paulo indique local adequado (artigo 83, par.2o. da Lei das Execuções Penais) para que detentas e seus bebês convivam, para lá transferindo-os, no mesmo prazo; e
c) que, mensalmente, o Estado de São Paulo encaminhe a este juízo relatório das providências adotadas para o cumprimento integral desta decisão.
O não cumprimento desta ordem, no prazo estabelecido, implicará na incidência de multa diária de R$ 1.000,00.
Cite-se o Estado de São Paulo, na pessoa do Exmo. Procurador Geral do Estado, para apresentar contestação no prazo legal.
Int.
São Paulo, 13 de fevereiro de 2012
Comentários fechados.