….discutindo a capacitação de juízes sobre liberdade de expressão….

 

Importância da difusão da jurisprudência do sistema internacional para a promoção dos temas de direitos humanos

 

unesco

 

A Unesco e a Universidade de Columbia estão promovendo workshops para discutir conteúdo e formato de cursos on line de capacitação em Liberdade de Expressão para juízes do continente. Nesse outubro, a reunião foi em San José, Costa Rica, no dia que antecedeu ao Seminário Ending Impunity From Crimes Against Journalists, promovido em parceria e nas dependências da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Como contribuição às discussões, apresentei na oportunidade as considerações que seguem:

Importância de promover a difusão das normativas, recomendações e jurisprudência do sistema internacional de direitos humanos, cujo conhecimento e utilização são ainda precários entre os operadores de direito no país, incluindo juízes.

Como o Brasil é signatário da Convenção Americana, e reconhece sua jurisdição, as normas e jurisprudências do sistema interamericano também nos vinculam. O controle de convencionalidade, todavia, ainda é raríssimo entre nós. Basta ver que o próprio STF o ignorou totalmente no julgamento da Lei da Anistia; como ponto positivo, mas que contou com a crítica de parcela considerável dos operadores do direito, a incorporação jurisdicional das regras da audiência de custódia, cuja base normativa é justamente a Convenção Americana.

A Lei de Acesso à Informação ainda tem aplicação restrita; há pouca compreensão de que se trata de componente indissociável da liberdade de expressão. As recomendações quanto ao crime de desacato são ainda praticamente ignoradas entre nós –sendo consenso no sistema interamericano tratar-se de norma que viola a Convenção, ao subordinar a liberdade de expressão à preservação da autoridade.

Diante dos princípios convencionais, entretanto, a natureza pública da função da suposta vítima, deve esvaziar o potencial da ofensa (jamais aumentá-lo) considerando a maior exposição e maior cobrança inerentes à sua função (Os funcionários públicos estão sujeitos a maior escrutínio da sociedade. As leis que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos, geralmente conhecidas como “leis de desacato”, atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação, Declaração de princípios sobre Liberdade de Expressão, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, item 11).

A tradição autoritária dos países do continente, herança de ditaduras recentes, ajuda a retardar a incorporação das normas de Direitos Humanos nor ordenamento dos Estados; em certos casos, por exemplo, o respeito à autoridade prevalece sobre o reconhecimento da dignidade humana. Enquanto a maior parte dos pedidos de proibição de publicações ou indenizações é originária de processos em que se discute a intimidade ou privacidade de pessoas públicas (muitas vezes políticos), em evidente excesso de proteção, de outro lado constata-se a escassez de tutela, em relação à contínua exposição humilhante de presos em programas televisivos.

É de observar que também há um paradoxo na própria postura da grande mídia, pois se de um lado a defesa da liberdade de expressão exige um juiz garantidor de direitos e integrado à pauta de direitos humanos, de outro o sensacionalismo de seus programas, o estímulo ao medo e a índole repressora só ajudam a fortalecer uma formação punitivista. Neste sentido, a aposta irrestrita no direito penal (que lastreou o próprio seminário pelo fim da impunidade nos crimes contra jornalistas) se revela de certa forma contraditória.

Deve ser levado em conta, também, que a própria normativa do sistema interamericano de direitos humanos vincula a liberdade de expressão ao pluralismo, sendo incompatível com a aguda concentração dos meios de comunicações em oligopólios. Ou, como disciplina o item 12 da já referida Declaração de Princípios: Os monopólios ou oligopólios na propriedade e controle dos meios de comunicação devem estar sujeitos a leis anti-monopólio, uma vez que conspiram contra a democracia ao restringirem a pluralidade e a diversidade que asseguram o pleno exercício do direito dos cidadãos à informação.

A democratização dos meios de comunicação, portanto, é uma pauta comum, e não refratária, à liberdade de expressão.

De outra parte, penso também ser essencial que os próprios juízes possam usufruir da liberdade de expressão, sem as amarras que o entulho autoritário da LOMAN atualmente impõe. Seja porque na democracia não existe meio cidadão (e o garantidor de direitos não pode ser ele mesmo cerceado), seja porque quanto mais estiver inserido no contexto de sua própria liberdade de expressão, maior a chance que o juiz a prestigie (confira, a propósito,  A liberdade de expressão dos juízes).

A vetusta tradição do juiz que só fala nos autos e que se oculta em uma torre de marfim, em distanciamento social abonado e até estimulado pelos códigos de ética, em nada contribuem para a compreensão da sociedade que é indispensável para quem quer que precisa julgar, ademais de fortalecer o corporativismo.

Entre os temas já inseridos nos programas, nas rodadas anteriores, que contemplaram representantes oficiais, é possível agregar a necessária revisão da criminalização das restrições à liberdade de expressão –cujos excessos podem ser resolvidos pela via da indenização. É preciso levar a ideia de ultima ratio do direito penal também para a tutela da honra.

Com igual sentido, refletir sobre o processo penal do espetáculo, pelo qual os meios de comunicação ajudam a tonificar a repressão e violar direitos –com a vulgarização de provas sigilosas, julgamentos públicos, humilhação de indiciados.

E, por fim, compreender os riscos que a criminalização dos movimentos sociais, notadamente com a repressão policial a manifestações e criação do tipo de terrorismo, podem causar à liberdade de expressão e ao exercício do pluralismo político essencial à democracia.

O estudo de casos tende a ser importante método de ensino, considerando que uma nova interpretação constitucional (e convencional) pressupõe a compreensão de valores, o balanceamento de princípios e o exercício da argumentação –habilidades essenciais para a solução dos “casos difíceis” que a complexidade da vida social nos apresenta.

Neste particular, ademais das contribuições apresentadas no Seminário pela Universidade de Columbia, por intermédio do programa Global Freedom of Expression, com seu vasto repertório de jurisprudência internacional, é importante observar que parte expressiva da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sobre Liberdade de Expressão, já está traduzida ao português pelo Ministério da Justiça CIDH – Direito a Liberdade de Expressao.

Para os membros do Judiciário, a segunda versão do curso de capacitação capitaneada pela Unesco, tem inscrições até o próximo dia 26/10, no próprio site da entidade

 

 

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