….dupla derrota da democracia….

Punição a Baltasar Garzon consagra o silêncio para as atrocidades do franquismo e sufoca a independência judicial

Mal se passaram duas semanas da decepção pela decisão do STF em entender abrangidos na anistia crimes praticados pelos agentes da repressão e outra vitória das sombras assola a comunidade internacional.

O acolhimento da acusação movida por duas associações ultra-direitistas (Mãos Limpas e Falange Espanhola) desaguou no afastamento cautelar do juiz espanhol Baltasar Garzon da magistratura.

Garzon era responsável, entre outros processos, pela abertura da investigação de crimes da atroz ditadura franquista, e tinha sido o autor da ordem de prisão do também ditador chileno Augusto Pinochet, ancorado no princípio da justiça universal.

Seu principal delito foi o de dar vigência a normas de tratados e convenções internacionais, segundo as quais as anistias auto-outorgadas pelas tiranias não podem impedir o processamento e o julgamento de crimes contra a humanidade.

Mais de cem mil pessoas estiveram entre os mortos do período franquista.
O que pensariam se soubessem que quem está sendo processado é o juiz que investiga seus assassinos? Foi esta a pergunta que fez Marcos Ana, poeta espanhol, prisioneiro por vinte e três anos durante o regime autoritário, no diário El País.

Tão grave quanto o silêncio forçado sobre os crimes do passado é o violento ataque à independência judicial.

Pode-se discutir a validade das decisões judiciais e cassá-las pelos recursos existentes nos ordenamentos nacionais. Mas um juiz não pode ser acusado de prevaricação por ato jurisdicional.

Como alertou Raul Zaffaroni, jurista renomado e ministro da Corte Suprema da Argentina, a sanção pela interpretação divergente viola a independência do juiz e institui a ditadura dos tribunais.

O afastamento de Garzon já era previsível, eis que decorrência natural da aceitação da acusação de prevaricação pelo juiz do Supremo Tribunal, Luciano Varela.

Todavia, o Conselho da Magistratura espanhol reforçou o sentido simbólico da punição, negando-se, inclusive, a avaliar pedido de afastamento de Garzon para assessorar o Tribunal Penal Internacional, justamente no julgamento de crimes contra a humanidade.

Se, ao final, conseguir seu cargo em Haia, driblando o ostracismo a que está sendo condenado, Baltasar Garzon poderá ser considerado o último exilado da ditadura de Franco.

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