Há rigor nos tribunais com a propaganda antecipada, mas licenciosidade com os abusos da publicidade oficial com nítida finalidade eleitoral
Cada vez que o presidente Lula sobe a um palanque, inaugurando obras ou disfarçadamente a campanha de sua candidata a sucessora, a oposição faz cerrada marcação esperando palavras que permitam processá-lo, não raro com sucesso, pela propaganda eleitoral realizada fora de hora e de local adequado.
Mas quem se senta no sofá de casa, após o horário do jantar, para ver televisão, é bombardeado dia após dia com inserções publicitárias institucionais de órgãos públicos, como o Estado de São Paulo, que “informa” aos concidadãos, que por coincidência nesta época também atendem pela alcunha de eleitores, como melhorou a educação pública, para quanto subiu o salário do motoboy e como serão as modernas estações de Metrô. Temas que certamente não serão esquecidos quando a campanha “começar”, uma vez que o ex-governador será também candidato a presidente.
A ação dos Ministérios Públicos e a força dos tribunais se dirigem hoje, implacavelmente, à campanha antecipada e fora de lugar. O próprio José Serra queixa-se das armadilhas na legislação, que o obrigam a se desincompatibilizar do governo em abril, mas o impedem de iniciar campanha antes de junho.
Mas pouca atenção tem se dado aos abusos da propaganda oficial.
A questão da publicidade institucional já preocupava os constituintes em 1988, em face dos elevadíssimos gastos para fazer o que sempre foi visto como propaganda de governo e, na proximidade das eleições, dos candidatos oficiais.
Foi esta preocupação que impôs a proibição de marcas pessoais na publicidade –norma propositadamente detalhista inserida na Constituição de 1988, como forma de aparar os freqüentes abusos: a publicidade dos atos, programas, obras e serviços e campanha dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos (art. 37, XI, §1º).
Pura ilusão.
Saíram os nomes dos administradores e entraram as logomarcas de gestão, em cores e slogans, que mudam de quatro em quatro anos, e remetem indiretamente ao presidente, ao governador ou ao prefeito em exercício.
Não há inocentes neste uso privado da coisa pública.
Se é verdade que hoje assistimos a um sem-número de inserções do governo do Estado de São Paulo pela TV, também é certo que fomos brindados recentemente com uma enormidade de publicidades de empresas federais, debaixo do slogan comum “um país de todos”. Como aquelas em que a Petrobrás explica quão feliz será o Brasil, quando começarmos a extrair petróleo do pré-sal. Ou até o novo modelo de pronunciamentos oficiais de final de ano, que, sob o manto da prestação de contas, elaboram um ufanista balanço das próprias realizações.
Que os partidos gastem tempo de propaganda política elogiando seus governos, se entende. Mas os cidadãos precisam pagar por este tipo de publicidade, que sempre aumenta vertiginosamente às vésperas da eleição? Quanto nos custa este “direito à informação”?
A maior parte das notícias relevantes sobre obras, projetos, propostas ou serviços públicos nos é trazida pela imprensa, quando não a sentimos diretamente. E se o pretexto para a informação é uma possível distorção feita pelos órgãos privados, deve se admitir que os textos e vídeos auto-elogiosos da publicidade oficial mais afastam do que aproximam os cidadãos da realidade.
É preciso distinguir a publicidade institucional, campanhas de vacinação, medidas preventivas contra epidemias, alterações significativas no cotidiano dos cidadãos, que exigem informação idônea, da avaliação cabotina das obras, projetos e até mesmo das propostas de governo que ainda serão realizadas. Estas são meras propagandas, não do Estado (que somos todos nós), mas de seus administradores. É, portanto, coisa privada –mas custeada com o dinheiro público.
Não há porque assentir na rabugice de Lula com a Justiça Eleitoral, porque de fato, nenhum cidadão pode estar acima ou a parte das leis, nem mesmo o presidente da República. Apesar de sua má vontade e sua peculiar lógica republicana, que vez por outra deixa escapar em improvisos, diante das leis, todos somos, ou devemos ser, cidadãos comuns.
Todavia, comparando-se as estreitas, minuciosas e rigorosas regras da Justiça eleitoral, com a licenciosidade com que os órgãos públicos vêm tratando a questão da usurpação da publicidade institucional como peças de propaganda política, e por isso mesmo também eleitoral, não é difícil descobrir onde estão os maiores abusos.
E quem paga a conta por eles.
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