Infancia Clandestina é doloroso. Mas poético e emocionante. Sobretudo necessário
O que faria um casal que aderiu à luta armada, tendo um filho pré-adolescente?
No brasileiro, “O ano que meus pais saíram de férias” (2006), eles simulam uma viagem e o garoto é deixado com o avô, que falece no mesmo dia.
Em “Infância Clandestina”, o jovem retorna à Argentina para manter-se na clandestinidade juntamente com seus pais.
Essa escolha de Sofia é o dilema moral que permeia o filme argentino que, com coprodução e roteiro brasileiros (Marcelo Muller), estreou recentemente no país.
A questão é trazida ao enredo pela avó, que em visita ao “aparelho” em que residem e ao mesmo tempo se escondem e guardam armas e munições, intima a filha e o genro: vocês não tem ideia do quanto é perigoso para ele?
Baseado na história real do próprio diretor, Benjamin Ávila, “Infância Clandestina” tem poucas concessões à fantasia, mas muitas à esperança. Os montoneros se armam, planejam e se preparam para operações de luta. Resgatam palavras de ordem peronistas, cantam e sonham com a derrocada da ditadura. Mas, como já sabemos, são presas fáceis nessa luta desproporcional contra o regime de força.
O jovem Juan também deve se manter clandestino na escola em que estuda. Sob o falso nome de Ernesto (em homenagem ao ídolo Che Guevara), aprende a ocultar o sotaque cubano que adquiriu no exílio. E se divide entre a sinceridade inocente do primeiro amor e o maduro disfarce da sobrevivência. Uma luta constante entre a descoberta e o esconderijo. Tarefa, enfim, sempre solitária, lembrada pelo verso central da música tema: “um menino sozinho diante de um living de trincheiras”.
Em escolha feliz e visualmente arrojada, as cenas de violência foram reproduzidas em quadrinhos, como a tradução de um olhar juvenil, mas que em nada atenua a brutalidade dos sofrimentos narrados.
“Infância Clandestina” talvez seja um pouco mais doloroso do que seus congêneres “Machuca” (2004), “Kamchatka” (2002) e o próprio “O ano que meus pais saíram de férias”, que igualmente resgatam o terror das ditaduras latino-americanas por intermédio de registros infantis.
Mas é poético e também emocionante. Sobretudo necessário, pois o que mais choca é justamente aquilo que não devemos ignorar, nem podemos esquecer.
Não há julgamento para o dilema moral que se instala no filme, da mesma forma como não houve respostas para as questões candentes que rondaram a opção pela luta armada, empreendidas por quem abandonou a segurança do exílio em direção a um combate extremamente desigual. Como deter o poder da esperança?
Eliminado da disputa de Oscar de filme estrangeiro, “Infância” não vai fazer par com o compatriota “A História Oficial”, que ganhou o prêmio em 1985 e para o qual serviria, aliás, como um belo prólogo. Mas honra com louvor o já badalado cinema argentino moderno.
O filme tem autores uruguaios, paisagens e personagens brasileiros e o retrato do cotidiano sob a ditadura de Videla. Essa mescla de nacionalidades também serve para lembrar o quanto as ditaduras do Cone Sul se embrenharam uma na outra.
É uma pena que nem todos os países se mostrem com a mesma disposição para descortinar verdades tão comuns. Nessa comparação, aliás, o Brasil não passa de um figurante muito pouco à vontade em cena.
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