Deputado apresenta projeto para revogar LSN e crime de desacato
O deputado Wadih Damous (PT-RJ) apresentou hoje Projeto de Lei 2769/2015 para revogar a lei de segurança nacional e o crime de desacato. Segundo a justificativa da proposta, “Passados 27 anos da promulgação da Constituição da República de 1988 e 36 anos da Lei de Anistia ainda não se realizou, contudo, uma reforma legislativa para suprimir do ordenamento jurídico leis e dispositivos que compõem o chamado entulho autoritário.
E, acrescenta, “baseados na concepção da teoria da defesa social que reflete maniqueísta visão de mundo, os dispositivos que ora se pretende revogar possibilitaram a repressão, tortura e morte de inimigos políticos durante os anos em que o Brasil viveu sob o comando dos militares e, com a redemocratização, a manutenção desses aparatos legislativos de exceção fez com os atores jurídicos passassem a criminalizar a atuação legítima de movimentos sociais.”
O projeto lembra não apenas casos de criminalização do movimento social, como a recente prisão de um artista de rua, ao fazer crítica dirigida à Polícia Militar paranaense. Quanto ao desacato, já existem decisões entendendo sua inaplicabilidade em face do controle de convencionalidade (leia aqui).
O Executivo, infelizmente, tem sinalizado no sentido inverso, especialmente com o recente projeto da Lei Antiterrorismo.
PROJETO DE LEI
Revoga o artigo 331 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), art. 299 do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar) e a Lei 7.170, de 14 de setembro de 1983, que “Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências;”.
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º. Fica revogado o art. 331 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal).
Art. 2º Fica revogado o art. 299 do Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de outubro de 1969 (Código Penal Militar)
Art. 3º. Fica revogada a Lei 7.170, de 14 de setembro de 1983, que “Define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social, estabelece seu processo e julgamento e dá outras providências.
Art. 4º. Esta lei em vigor na data da sua publicação.
JUSTIFICAÇÃO
A presente proposta legislativa tem o objetivo de revogar a Lei de Segurança Nacional e dispositivos do Código Penal e Código Penal Militar em razão da incompatibilidade destes com a Constituição da República de 1988 e o regime democrático.
Passados 27 anos da promulgação da Constituição da República de 1988 e 36 anos da Lei de Anistia, um dos marcos legais da ruptura do regime ditatorial instalado em 1964, não se realizou, contudo, uma reforma legislativa para suprimir do ordenamento jurídico leis e dispositivos que compõem o chamado entulho autoritário.
A Alemanha[1], após o término da II Guerra realizou uma ampla reforma legal para retirar dispositivos punitivos que serviram de base para a sustentação política do regime nazista. Infelizmente, em nosso país temos que conviver com instrumentos legais que representam o pensamento ideológico de um regime de exceção.
Porque baseados na concepção da teoria da defesa social que reflete maniqueísta visão de mundo, os dispositivos que ora se pretende revogar possibilitaram a repressão, tortura e morte de inimigos políticos durante os anos em que o Brasil viveu sob o comando dos militares e, com a redemocratização, a manutenção desses aparatos legislativos de exceção fez com os atores jurídicos passassem a criminalizar a atuação legítima de movimentos sociais.
Ações penais instauradas em desfavor de integrantes dos MLST e MST tiveram por base a Lei de Segurança Nacional, mesmo os tribunais superiores tendo consolidado farta jurisprudência no sentido de que a atuação desses movimentos é um exercício de cidadania, própria do estado democrático de direito.
Dias atrás, o artista Leônides Quadra se apresentava em uma praça pública da cidade de Cascavel/PR quando foi preso em flagrante por policiais militares. O palhaço Tico Bonito, seu personagem, ao expressar uma crítica política disse “lá vem os palhaços do governador que só sabem cuidar de quem tem dinheiro”. A frase foi suficiente para motivar a sua prisão, apesar dos protestos da população.
Importante destacar que no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos foi aprovada, no ano 2000, a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, tendo tal documento como uma de suas finalidades a de contribuir para a definição da abrangência do garantia da liberdade de expressão assegurada no art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos. E, dentre os princípios consagrados na declaração, estabeleceu-se, em seu item “11”, que “as leis que punem a expressão ofensiva contra funcionários públicos, geralmente conhecidas como ‘leis de desacato‘, atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação.”
Considerada, portanto, a prevalência do art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos sobre os dispositivos do Código Penal, é inarredável a conclusão de Galvão[2] de que “a condenação de alguém pelo Poder Judiciário brasileiro pelo crime de desacato viola o artigo 13 da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, consoante a interpretação que lhe deu a Comissão Interamericana de Direitos Humanos”.
Por fim, cabe mencionar que a comissão de juristas brasileiros responsável pela elaboração do anteprojeto do Novo Código Penal deliberou, por maioria de votos, em sessão havida em 07 de maio de 2012, por sugerir a revogação do crime de desacato da legislação penal brasileira, ante a sua incompatibilidade com a Convenção Americana de Direitos Humanos.
Com relação à Lei de Segurança Nacional, o Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade, no item Reformas constitucionais e legais, determina a revogação da LSN com base nos seguintes argumentos:
A atual Lei de Segurança Nacional – Lei no 7.170, de 14 de dezembro de 1983 – foi adotada ainda na ditadura militar e reflete as concepções doutrinárias que prevaleceram no período de 1964 a 1985. A Constituição de 1988 inaugurou uma nova era na história brasileira, configurando a República Federativa do Brasil como Estado democrático de direito, fundado, entre outros princípios, na promoção dos direitos humanos. De forma consistente com essa transformação, impõe-se a revogação da Lei de Segurança Nacional em vigor e sua substituição por legislação de proteção ao Estado democrático de direito.
Dessa forma, é a presente proposta para retirar do ordenamento jurídico resquícios legislativos que refletem uma ideologia política incompatível com a Constituição da República de 1988, servindo tão somente para criminalizar artistas de rua, integrantes de movimentos sociais e possibilitar o exercício do poder punitivo sem qualquer controle.
Sala das Sessões, ……………………………
WADIH DAMOUS
Deputado Federal PT/RJ
[1] BAROSIO, Vittorio. Il processo penale tedesco: dopo la riforma del 1965. Milano: Giuffrè Editore, 1967.
[2] http://www.conjur.com.br/2012-set-15/bruno-galvao-desacato-comissao-interamericana-direitos-humanos
Comentários fechados.