O sensacionalismo, como se sabe, é seletivo, não estatístico
Pesquisa da CNT aponta que 93% dos brasileiros querem a redução da maioridade penal.
Mas há outros dados também significativos na mesma pesquisa: 69% dos brasileiros têm a convicção de que cresceu muito o número de crimes praticados por adolescentes, e outros 25% tem certeza de que eles pelo menos aumentaram.
Os números se equivalem, portanto: se 93% quer reduzir a maioridade, 94% tem a percepção de que o número de crimes envolvendo adolescentes aumentou.
É o que se pode chamar de política da comoção –quero mudar, porque sinto que piorou.
A percepção, no entanto, não reflete estatísticas, mas a abundância da cobertura policial pela mídia, e o destaque preferencial aos crimes de adolescentes.
Não bastassem os programas policialescos que vibram e multiplicam violências, também os telejornais gastam hoje mais da metade de seu tempo exclusivamente com as notícias policiais.
Da política à cultura, do futebol à economia, tudo é subtítulo do grande noticiário policial em que os meios de comunicação se transformaram.
Mas o sensacionalismo, como se sabe, é seletivo, não numérico.
Mais tempo é gasto com notícias de crimes que provocam mais emoções, e isso nada tem a ver com estatísticas.
A intermediação da imprensa provoca o resultado da pesquisa que depois é colhido pela própria mídia como base para justificar seus programas e suas campanhas, fechando o círculo vicioso das profecias que se auto-realizam.
Se ao invés de focar nos crimes praticados por adolescentes, por exemplo, fosse enfatizado no noticiário os crimes praticados com armas de fogo, é possível que as pessoas tivessem a percepção -real, pelo que se vê no cotidiano forense- de que o que aumenta mesmo é o número de crimes à mão armada, de menores ou maiores.
Quem sabe isso pudesse se refletir numa pesquisa acerca da retomada do referendo das armas?
Mas a imprensa tem uma responsabilidade maior ainda do que apenas o de indutora de pautas, e assim provocadora de anseios.
Na área da criminalidade, a reprodução contínua dos crimes, com a sua espetacularização tende a multiplicar a própria criminalidade.
Exemplo conhecido foi o número expressivo de sequestros de quintal que cresceu vertiginosamente com a intensa exposição das extorsões praticadas a empresários e industriais.
Muitos pequenos comerciantes ou profissionais liberais sofreram sequestros rudimentares na cola daqueles de grande repercussão midiática. É o que se teme ressurgir com os roubadores incendários –em relação aos poucos criminosos que hoje não têm acesso a armas de fogo.
Diversamente do que se pode supor, pelo registro das reportagens de maior impacto e destaque na televisão, não são os latrocidas que superlotam os locais de internação. Quase a metade dos adolescentes que cumprem medidas fechadas na Fundação Casa em São Paulo, foi levada para lá presa como microtraficante.
Uma alteração na legislação de entorpecentes, por exemplo, poderia ter um impacto relevante na desinternação, mas a falida guerra contra as drogas continua a amealhar inúmeros combatentes.
O que a pesquisa não soluciona é o intuito pragmático dos entrevistados, que dificilmente será alcançado.
A maioria das pessoas quer a redução da maioridade justamente porque espera que com isso reduza o número de crimes.
No entanto, a mesma punição já praticada aos maiores não tem tido esse efeito –e a Lei dos Crimes Hediondos foi o exemplo mais evidente do fracasso dessa política. As penas aumentaram, o encarceramento dobrou e o número de crimes não diminuiu.
O espanto de muitos pode ser explicado pelo desprezo absoluto da mídia ao fator criminógeno da prisão.
O convívio com criminosos mais perigosos, a falta de dignidade dos cárceres, a ausência de trabalho e de mecanismos de ressocialização, a omissão do Estado na segurança, enfim, tudo contribui para que a reincidência seja maior entre aqueles que cumprem pena dentro do sistema carcerário do que fora.
O senso comum pode indicar que o crime floresce com a sensação da impunidade.
Mas depois de preso, o abandono da família, as dificuldades no mercado de trabalho, o convívio com as lideranças do crime que cooptam numa teia de facilidades e ameaças, estabelecem vínculos ilícitos que serão cada vez mais difíceis de serem rompidos fora das grades.
Quanto mais cedo colocarmos os jovens na cadeia, é provável que tenhamos mais crimes e não menos.
Mas aí é só fazer uma nova pesquisa para saber se o brasileiro quer abaixar ainda mais a maioridade, aumentar as penas, instituir a tortura, pena de morte…
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