A reforma política não apenas deve facilitar espaços de democracia direta, como pode ser por eles facilitada
Não são só os manifestantes que não sabem bem o que pedir.
Os políticos também não sabem muito o que oferecer.
A ansiedade dos últimos dias saiu das ruas para adentrar gabinetes e palácios, numa profusão de
propostas que se parece um pouco com o amontoado de cartazes.
A dificuldade de compreender os movimentos da sociedade em todos os seus protestos e a premência em apresentar discursos ou propostas condizentes com eles, pode resultar numa completa esquizofrenia.
Como enfatizar o apelo à máxima responsabilidade fiscal e apostar no incremento de gastos sociais ao mesmo tempo.
É certo que todos querem aproveitar a energia e a vontade das mudanças, mas seus sinais ainda imprecisos recomendam mais cautela do que emergência –o pânico e a comoção nem sempre são bons legisladores.
É o caso da persistência no desgastado discurso da lei e da ordem e a crença desmesurada no direito penal para resolver conflitos sociais.
Como se a corrupção desaparecesse ao ser considerada hedionda e o aumento de penas servisse para estancar qualquer tipo de criminalidade. Pura demagogia.
Ou a proposta fugaz de uma constituinte para a reforma política, que abriria apenas um inevitável espaço para a gradual desconstrução da Constituição Cidadã, que em nada interessa à democracia.
Se o efeito positivo da medida foi o de tirar o Congresso rapidamente de sua letargia, é preciso compreender que, em relação à reforma política, não é a falta de propostas ou de processos legítimos para empreendê-la que a tem empacado. Mas sim a falta de consenso.
É importante que as forças políticas, de governo e das oposições, bem ainda os movimentos sociais, indiquem, de forma clara, quais são as mudanças pretendidas: financiamento público exclusivo, listas partidárias, cláusulas de barreira, iniciativas populares, votos distritais etc.
No meio de tantas ideias já amadurecidas sobre a reforma política, uma se destaca como verdadeira mensagem das manifestações: o aumento dos espaços de democracia direta (como já dizíamos aqui, na semana passada).
Se há algo que pode ser apreendido da crise de representatividade é que a sociedade se sente distante e muitas vezes alheia às disputas ou acordos que formatam a vida partidária –sintoma que não é apenas brasileiro.
Há uma nítida sensação de que os governos, e também os que a ele se opõem, vêm sofrendo influências de poderes que estão ao largo das eleições, como a força das grandes corporações ou as pautas da mídia.
À custa de acordos e ameaças, grupos de interesses como ruralistas e religiosos têm obtido no Congresso peso maior do que sua representação eleitoral.
E em certos casos, o veto do Executivo acabou sendo mais representativo da vontade popular que o próprio voto dos parlamentares, o que não deixa de ser uma perversão na democracia.
A saída, no caso, é alargar a porta de entrada.
Uma maior participação social nas decisões sobre políticas públicas, por intermédio de conselhos, e a produção de leis com mecanismos como plebiscitos, referendos e iniciativa popular.
Reclamar que plebiscito é caro e demorado não passa de birra de quem aposta no imobilismo para lucrar com a angústia.
Afirmá-lo autoritário é o álibi de quem festeja mudanças que na verdade jamais pretendeu formular.
É lógico que há questões que por sua própria natureza não devem jamais ser levadas a decisões plebiscitárias, como aquelas que envolvem, por exemplo, direitos fundamentais –dada sua qualidade essencialmente contramajoritária.
Mas há tantos outros temas em que a cumplicidade da sociedade pode ser melhor aproveitada, até para que as decisões sejam tomadas com maior pacificação social.
Teria sido melhor, por exemplo, que a adesão do país aos encargos da Fifa ou do Comitê Olímpico tivessem passado pelo escrutínio popular. Questões mais candentes e relevantes de economia passaram na Europa, como os referendos para o ingresso à zona do euro.
A reforma política não apenas deve facilitar estes espaços de democracia direta, como pode ser por eles facilitada.
É mesmo o caso de levar as questões centrais da própria reforma na consulta popular, a começar pelo financiamento público de campanha.
Alardeada como uma das principais propostas para evitar a promiscuidade de empresas doadoras e políticos (e combater efetivamente a corrupção) é, possivelmente, a mais difícil de emplacar se depender só da vontade dos próprios parlamentares interessados.
A pauta plebiscitária permitirá espaços iguais de propaganda das propostas na televisão e evitará, tal como ocorre pela lei das eleições, que apenas uma das versões seja adotada pela mídia.
A hora é de amadurecer caminhos que produzam maior permeabilidade das demandas sociais, de modo a reconquistar a legitimidade perdida.
Afinal, como diz a Constituição que todos querem preservar, o poder que emana do povo deve ser por ele exercido.
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