É um caminho para indicar a opção do Estado brasileiro pela legalidade
Combater o crime com mais violência nunca foi uma ideia sensata. O resultado é mais crime e uma confusão quase insolúvel, toda vez que a polícia ultrapassa a margem da legalidade.
Um projeto que está pronto para votação na Câmara dos Deputados pretende diminuir o espaço pelo qual a violência policial tradicionalmente se oculta, os ‘autos de resistência’.
Por intermédio deles, muitos mortos foram simplesmente transformados em suspeitos, para que os homicídios da repressão fossem esquecidos.
A resistência seguida de morte tinha como principal consequência o escamoteamento da morte, sendo na prática um inquérito de resistência arquivado pelo falecimento do suspeito.
Quem supunha que a criminalidade podia servir de álibi para a violência policial, paulatinamente vai percebendo que ela só a alimenta, como se viu no caso Amarildo ou mesmo no assassinato da juíza Patrícia Acioly.
O projeto de Lei 4471/12 busca inverter essa lógica e fortalecer a investigação nos casos de mortes em decorrência da ação da polícia. Afinal, se testemunhas são desprezadas, cenas de crime alteradas, perícias postergadas ou contaminadas, não surpreende que, ao final, nenhuma responsabilidade penal seja mesmo averiguada.
Entre os pontos que o projeto altera, estão a proibição do acompanhamento do exame de corpo de delito por pessoa estranha ao quadro de peritos, a obrigatoriedade de documentação fotográfica e coleta de vestígios em casos de morte violenta e exame interno do cadáver, sempre que a morte ocorra em com envolvimento de agentes do Estado.
O laudo pericial, que deve ser produzido em até dez dias, deverá ser obrigatoriamente encaminhado à autoridade policial e à Corregedoria da Polícia, ao Ministério Público e à família da vítima.
Nos casos de resistência, sempre que do emprego de força resultar ofensa à integridade corporal ou à vida do resistente, a autoridade policial deverá instaurar imediatamente inquérito para apurar esse fato específico -não apenas embutido na resistência. E ainda deverá fazer comunicações imediatas ao Ministério Público e à Defensoria Pública, à Corregedoria da Polícia e à Ouvidoria.
Enfim, o propósito é superar a deficiência crônica das investigações sobre excessos policiais, que seguidamente viola direitos humanos, inclusive tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Como exemplo, os princípios das Nações Unidas para a prevenção efetiva e investigação de execuções sumárias, arbitrárias e extralegais, de 1989:
“Os governos devem proibir por lei todas as execuções extralegais, arbitrárias ou sumárias e devem zelar para que todas essas execuções sejam tipificadas como delitos em seu direito penal e que sejam sancionáveis com penas adequadas que levem em conta a gravidade de tais delitos”.
O projeto dos ‘autos de resistência’ não tem força para alterar esse quadro por si só, em especial pela conivência social com as torturas e as execuções.
Mas é um caminho para indicar a opção do Estado brasileiro pela legalidade.
Até porque, à margem da lei, somos todos marginais.
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