Não se sabe o que causou a renúncia, mas se pode imaginar o que ela causará
Muitas são as especulações em torno dos motivos que levaram Bento XVI a renunciar.
Há quem acredite nas forças ocultas e os que debitam a seu interesse político em fazer o sucessor.
Alguns analistas o consideraram fraco por não resistir às pressões, enquanto outros louvaram sua postura humilde e corajosa.
Tão cedo não saberemos, com certeza, o que causou a renúncia, embora possamos especular, enfim, o que a renúncia causará.
Porque, afinal de contas, estamos diante de uma mudança de paradigma –uma das verdades fundamentais que aprendemos a acreditar desde sempre, simplesmente ruiu no meio do Carnaval.
À medida em que um papa desiste de ser papa, sem estar gravemente doente, nem física ou mentalmente incapacitado, alguma coisa parece estar fora da ordem. E é bem possível que não volte a ser do jeito que já foi um dia.
É certo que a renúncia faz parte da legislação canônica há muitos anos. E que, na história remota dos papas, existiram casos de interrupção voluntária da função.
Mas todos os peculiaríssimos exemplos apenas serviram como situações excepcionais que confirmavam uma regra. A renúncia de Bento XVI inverte a lógica. Põe a própria regra sob suspeição.
Ao sair da Cúria para entrar na história, Bento XVI pode estar estabelecendo uma nova dimensão ao papado. Mais pragmática e mais racional.
Léguas de distância, portanto, da ideia comum do sagrado, como aquela disseminada aos fiéis de que a eleição dos papas seja uma escolha de Deus. A renúncia foi, certamente, uma escolha humana –seja por temores ou ambições.
É possível que Bento XVI tenha algum tipo de influência, direta ou indireta, em sua sucessão. Mas é ainda mais provável que tenha influência nas sucessões que virão.
Na forma como os futuros papas venham a lidar com o caráter possivelmente finito de suas gestões. Até que a morte os separe pode estar deixando de ser uma realidade ou ao menos uma obrigação.
Bento XVI foi escolhido papa sob o signo do conservadorismo. Mas, ao final de seu papado, não foi, efetivamente, mais conservador do que o papa pop que sucedeu –embora também não menos.
Mas a renúncia lhe dará, por paradoxal que possa parecer, um ar de inovação e modernismo. E muito provavelmente representará uma sombra para os futuros titulares da Mitra.
Afinal, foi papa por cerca de oito anos, menos do que a duração dos mandatos da maioria dos chefes de Estado, ainda que em países que praticam com regularidade a alternância de poder.
João Paulo II deixou o papado sob o signo da quase santidade –Bento o larga como um líder político, daqueles que convocam eleições ao se ver sem maioria no Parlamento.
Sua passagem conscientemente fugaz contrasta em tudo com a natureza dita sagrada da função e até de sua própria história pessoal.
Sendo o papa mais teólogo dos últimos tempos, acabou por conferir, contraditoriamente, uma dimensão mais secular ao cargo.
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