Ativista em tantas questões, STF é autoritário em matéria de política interna
Na semana que passou o Supremo Tribunal Federal jogou um balde de água fria em quem ainda nutre a esperança na democracia interna do Poder Judiciário.
Decidiu, por ampla maioria, que a eleição dos cargos de direção dos tribunais pelos juízes é inconstitucional.
O argumento que prevaleceu, do relator Lewandowski, é que a Constituição Federal disciplina que apenas os membros dos tribunais podem ser eleitores. Os juízes de primeiro grau, apesar de vinculados aos mesmos tribunais, continuariam afastados das eleições.
Na verdade, a decisão do STF não é nenhuma novidade e já tinha sido exposta anteriormente. Reconhece o mérito de uma ação direta de inconstitucionalidade de lei paulista que estava suspensa há mais de dez anos.
Mas para um tribunal que tem se notabilizado por decisões arrojadas e inovadoras, manter a tradição, neste particular, não deixa de ser uma enorme frustração.
Por longos anos, aguarda-se que o próprio STF encaminhe o novo Estatuto da Magistratura para submeter ao Congresso, adaptando a carreira às diretrizes da Constituição. A decisão recente, no entanto, tira o fôlego de quem espera discutir nele a democratização do Judiciário.
Já faz tempo que o STF tem exacerbado uma postura essencialmente restritiva, quando não autoritária, para com o próprio Poder Judiciário. Em decisão recente, chegou a validar norma da Lei Orgânica que praticamente entregava o poder nos tribunais à gerontocracia.
Ativista para tantas questões sociais, nas quais não se constrange em alterar interpretações de há muito consolidadas, o Supremo é altamente regressivo em matéria de política interna. Tem preferido dar prevalência às normas do entulho autoritário, do que adequar o Judiciário aos novos tempos.
O atual presidente, ministro Cezar Peluso, já declarou textualmente que é contrário ao ingresso da política nos tribunais.
Mas a democracia censitária que só permite que os desembargadores votem não deixa a política de fora. Apenas a oculta do grande público.
A ideia de que seja possível administrar sem política não é apenas conservadora, pressupondo que exista uma tecnocracia da antiguidade. É também destituída de um fundamento minimamente razoável.
Para gerir um orçamento de alguns bilhões de reais, quais devem ser as prioridades de uma gestão? Apostar na construção de suntuosos prédios ou em instalações de mais varas? Trocar veículos de representação ou apressar a informatização? Criar varas nas periferias ou instalar juizados em aeroportos?
A democracia produz racionalidade porque impõe projetos e torna claras as opções políticas. Se é imprescindível para a administração dos bens e projetos públicos do Executivo e Legislativo, porque não o seria para o Judiciário?
Em 2012, centenas de juízes eleitorais estarão presidindo as eleições nos mais diversos municípios do país. Suas instruções e decisões balizarão as disputas, mas a população dificilmente compreenderá porque nos tribunais a que fazem parte, os próprios juízes não são admitidos como eleitores.
Como o Judiciário pode comandar o processo eleitoral brasileiro se não acredita ele mesmo na democracia?
Os argumentos contra a democratização interna são frágeis.
Alguns apontam o risco de partidarização.
Temor inócuo, eis que a política partidária é expressamente vedada aos juízes. Todavia, é justamente das cúpulas dos tribunais que tem partido os principais apoios a governos e suas políticas, muitas vezes suprimindo a independência do julgar para sua efetivação.
Outros afirmam temer o corporativismo.
Mas a defesa dos interesses de classe está ainda mais imbricada entre os donos do poder, como se notou pela resistência dos mais antigos ao fim do nepotismo e o movimento dos desembargadores pela preservação de salários acima do teto.
É ingenuidade supor que será possível modernizar o Judiciário sem ao mesmo tempo democratizá-lo.
Medo da democracia têm os mesmos que têm medo da igualdade e, por isso, preservam redes de proteção ao poder, como imunidades parlamentares e foros privilegiados.
Se os tribunais permanecem com estruturas oligárquicas, reproduzindo castas internamente, como esperar que abandonem o elitismo de que a sociedade os acusa?
O senhor autorizaria a publicação deste artigo no jornal impresso da Associação dos Magistrados da Paraíba (AMPB)?
Fique à vontade para reproduzi-lo.
Obrigada. Vai sair em edição especial, no mês de dezembro. Entrarei em contato posteriormente para enviar um exemplar para o senhor.