….um aviso prévio para a Justiça do Trabalho….

“A Justiça do Trabalho não devia nem existir”.

A retumbante frase é do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), primeiro substituto de Michel Temer na linha sucessória.

Maia não foi econômico nas acusações. Disse que os juízes do trabalho tomam decisões “irresponsáveis”, que quebraram bares, restaurantes e hotéis no Rio de Janeiro (sua base eleitoral) e que, enfim, o excesso de regras trabalhistas gerou 14 milhões de desempregados.

Políticos do mesmo grupo que o deputado, que hoje controlam Executivo e Legislativo, costumavam jogar a culpa pelo desemprego na política econômica de Dilma Rousseff, aliás, uma das supostas justificativas políticas para sua abrupta deposição.

A proximidade entre as acusações é indisfarçável.

Derrubar o governo eleito foi o primeiro passo de um projeto para desconstruir o ainda esquálido estado social que engatinhamos a criar, a partir da Constituição de 1988.

Pedaladas fiscais, Operação Lava Jato, crise econômica.

Apenas pretextos para justificar uma ampla reforma desconstituinte, que, encorpada em programa eleitoral, jamais passaria pelo crivo das urnas. Um dos sinais é o fato de que a entrevista de Rodrigo Maia se deu na discussão de projeto que amplia a terceirização – e por consequência a precarização de direitos – que está há mais de dez anos sem conseguir apoio para aprovação.

Não é de hoje que a Justiça do Trabalho vem sendo vilipendiada por empresários e políticos conservadores, que defendem seus interesses – mas neste momento, parece que os maiores detratores refestelam-se à mesa do poder.

Ricardo Barros (PP-PR), o deputado que ajudou a fulminar o orçamento dos tribunais trabalhistas, expondo-os quase ao fechamento das portas, costumava proclamar no Congresso sua “alergia” à Justiça do Trabalho. Foi guindado ao cargo de ministro da Saúde.

Em 1999, o então deputado Aloysio Nunes Ferreira Filho (PSDB-SP) propôs nada menos do que a extinção da Justiça do Trabalho, na condição de relator da Reforma do Judiciário. A proposta foi torpedeada, mas como prêmio de consolação, o deputado virou ministro de FHC. Agora senador, foi escolhido líder do governo e tornou-se chanceler.

O recado do governo é duplo: não é preciso apenas mudar a lei, eliminando parte significativa dos direitos dos trabalhadores, como ainda desprestigiar os juízes do trabalho, para impedir que, exercendo seu mister de guardiães da Constituição, recusem a aplicação de normas que a desafiem. Nesta questão, ao que se tem visto dos últimos movimentos, contar com a intransigência constitucional do STF não se aparenta uma aposta tão confiável.

Enquanto a coletividade de juízes, membros do Ministério Público e advogados se revoltaram com a agressão gratuita do deputado Maia, a maior autoridade da Justiça do Trabalho no país, ministro Yves Gandra Filho, presidente do TST, respondeu delicadamente que apenas discordava em face da generalização das críticas, reconhecendo, todavia, o excesso de alguns dos integrantes da Justiça do Trabalho.

É bom lembrar que Yves Filho já se declarou um entusiasta da reforma trabalhista do governo e, de modo mais sutil, também manifestou críticas similares às de Maia. Cotadíssimo para assumir a primeira vaga aberta ao Supremo Tribunal Federal, após a deposição de Dilma, acredita-se que Yves só não foi nomeado, em razão de uma dívida pessoal do presidente da República com seu ministro da Justiça. Mas continua a postos, como uma espécie de camisa 12 do Pretório Excelso.

A ampliação ilimitada da terceirização será o primeiro passo da desconstrução da malha protetiva. Pesquisas apontam que os trabalhadores terceirizados ganham menos, trabalham mais e sofrem mais acidentes.

O distanciamento da relação prejudica ainda a organização sindical, justamente no momento em que o acordo negociado está prestes a ser guindado generalizadamente como mais importante do que a lei. Porteira aberta, inúmeras outras propostas draconianas estão formando fila, como a redução de multa do FGTS pela demissão imotivada, a expansão da jornada de trabalho e o completo esvaziamento da legislação que sustenta a proibição do trabalho escravo.

Nem o governo dos militares promoveu tamanho retrocesso social como o que agora se pretende, sob o pretexto de ampliar empregos. A última crise mundial, gestada e exportada pelo sistema financeiro norte-americano, exibiu ao mundo o alto custo econômico e social da desregulamentação.

A vingar o raciocínio exposto por Maia, cantilena que se ouve também de inúmeros patrões arredios com seus deveres, o pleno “emprego” seria uma aceitável recompensa para o retorno da escravidão.

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