….violência e cidadania….

Coletânea reúne trabalhos sociológicos sobre violência e cidadania

Recebi da amiga, defensora pública Cleusa Trevisan, o livro “Violência e Cidadania, Práticas Sociológicas e Compromissos Sociais”, editado pela UFRGS e Ed. Sulina, organizado por José Vicente Tavares dos Santos, Alex Niche Teixeira e Maurício Russo, lançado recentemente em Porto Alegre.

A coletânea resume trabalhos sociológicos de vinte e três autores ao longo de décadas interpretando questões ligadas à violência e cidadania e formulando compromissos sociais para entender tais relações.

Os artigos são variados e traduzem um importante caleidoscópico de abordagens que procuram entender a produção da violência, a formação de seus agentes, as tensões nas polícias, os reflexos no Judiciário e, por fim, as nefastas consequências na prisão, como a crise do encarceramento.

É um rico panorama, que agrega, em comum, a rejeição ao simplismo, uma leitura que supera a equação crime-castigo, e entende a dinâmica dos atores em torno do crime e suas transformações.

Ainda não deu tempo de ler o livro por completo, mas três artigos despertaram minha atenção, abordando temas distintos, mas correlatos, na compreensão de que é impossível julgar conhecendo apenas o direito, fechando os olhos à realidade que o forma e que o altera.

Por meio destes, convido-o a conhecer todo o volume.

Alex Niche Teixeira faz um interessante estudo sobre os programas de televisão que visam reproduzir casos criminais, instando a população a colaborar com a prisão dos envolvidos, comparando Crimewatch (Inglaterra), America’s Most Wanted (EUA), Temoin (França) e o brasileiro Linha Direta (“Televisão, hipercrimes e violências na Modernidade Tardia”).

De suas conclusões, podemos extrair a associação entre a programação televisiva que dramatiza os “crimes reais” e os encaminhamentos neoconservadores em termos de política criminal que, nos casos inglês e norte-americano, coincidiram com os governos Ronald Reagan e Margareth Thatcher. Em grande parte, vigora a ideia de que o crime é uma ameaça à sociedade e a comunidade tem um importante papel a desempenhar.

Os programas são mais bem-sucedidos à medida em que sejam legitimadores (e não críticos) da ação policial, que a sociedade se sente estimulada a reforçar. Em suma, “os programas produzem sua própria demanda por mais e mais punição”.

Dani Rudnicki escreve sobre os antecedentes e as perspectivas contemporâneas da polícia, no Estado Democrático de Direito. O texto apresenta um estudo histórico situando o surgimento da polícia nos séculos XV e XVI, coincidindo com o aparecimento dos Estados Modernos, fundamenta a base principiológica na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (força pública instituída para a vantagem de todos e que não pode ser utilizada particularmente) e estipula as bases contemporâneas –corporação cujos integrantes atuam em tempo integral, com formação profissional e instituído em carreira.

Com esteio nestes paradigmas, reproduz o alerta: A polícia precisa tornar-se um órgão de todos, superando a perspectiva de ser instrumento de conservação do status quo, citando a Holloway: “(…) há muito a Polícia estava acostumada a lidar com escravos, negros e mulatos livres, imigrantes indigentes, marujos de folga em terra e outros membros das classes inferiores da cidade, como se todos formassem um grande grupo uniforme. O papel inicial da Polícia como agente disciplinador voltado contra os escravos deixou um legado persistente de técnicas policiais e atitudes mutuamente hostis entre a Polícia e os setores da sociedade que sentiam o impacto de sua ação”.

Por fim, a reflexão do juiz Umberto Guaspari Sudbrack sobre as insuficiências do Direito Penal. Sudbrack ilumina a crítica ao positivismo jurídico que, considerando o direito como um fato e não como um valor, procura se validar por meio de sua própria estrutura formal. Como resultado, o direito penal permeado exclusivamente pela lei, fica completamente isolado da realidade. Ignorando o cipoal de desigualdades da sociedade, a postura de alheamento, enfim, deslegitima o sistema criminal, a despeito de prometer-lhe segurança jurídica.

O juiz deve fugir a este reducionismo, ter consciência de que é um instrumento do poder e de sua própria tarefa, para não se atrelar a ideologia clássica da neutralidade (que, como sabemos, é bem distante da imparcialidade). O autor evoca Baratta, para lembrar que não se pode esquecer que na sociedade dividida em classes, o direito penal protege as relações escolhidas pela classe dominante, ainda que se afirmem universais (caso típico da preponderância da tutela à propriedade privada que marca nosso direito penal).

Resume, com maestria, os motivos da necessária integração com o estudo sociológico que, em última análise, justificam a interdisciplinariedade que pratica: “A sociologia pode colaborar com o direito penal denunciando as violações à integridade física e moral das classes desprotegidas, dos ‘marginalizados’ que desconhecem a efetividade de seus direitos, não assegurados, na prática, pela norma positivada. A sociologia pode ajudar, enquanto ciência social aplicada, ao propor um regime de enunciados contra a violência e ao organizar um público socializado capaz de se indignar contra a exclusão social, mantendo uma consciência de injustiça.”

E conclui: “O direito interno é insuficiente para resolver o problema das violações de direitos fundamentais, havendo a necessidade de serem aplicados princípios supranacionais, bem como a jurisdição internacional para combater tais violações”.

Como fazer quando o direito interno não reconhece a jurisdição internacional dos direitos humanos, como a postura do STF que ignora a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos,no caso da anistia, ainda é uma questão em aberto. Talvez sobre para a própria sociologia.

Um comentário sobre ….violência e cidadania….

  1. Anônimo 23 de abril de 2012 - 15:42 #

    Uma história para retratar:
    – Havia uma oficina, tinha a pedra lascada bruta o qual construia várias casas, havia o homem de barro, altamente reprodutor e havia o diamante sujinho de barro.
    Todos achavam que valiam mais no comércio que o diamante. Achavam que a sujeira não sairia.
    A sujeira foi saindo e ficou só um pouquinho. Descobriram que o diamante valia muito comercialmente. Que não era frágil como o homem reprodutor e nem delinquente como a pedra bruta.
    Para brilhar era normal. Porém, a sujeirinha era necessária para não sofrer violências.