….22 de Agosto e o repúdio ao uso indiscriminado da PM….

Segurança pública virou justificativa para toda e qualquer violência do Estado

A nota que segue é do Centro Acadêmico 22 de Agosto, dos estudantes de Direito da PUC-SP e repudia o “uso indiscriminado” da PM em São Paulo, elencando a ação na Cracolândia e a controversa permanência no campus da USP. “Em ambas as situações, constata-se o uso indiscriminado e onipresente da força policial como suposta solução para problemas sociais históricos”.

Como dizem os estudantes, “o uso indiscriminado da PM parece ter conexão com tudo, exceto com sua justificativa, a “segurança pública” – que nos dias atuais, tomou o lugar no imaginário coletivo que a “segurança nacional” ocupava nos tempos da Ditadura Militar como justificativa para toda e qualquer violência do Estado”.

NOTA DE REPÚDIO AO USO INDISCRIMINADO DA POLÍCIA MILITAR EM SÃO PAULO

2012 já está marcado por duas situações estranhíssimas ao Estado de Direito, ambas ocorridas em São Paulo capital: a primeira delas é a chamada “Operação Sufoco”, que mobiliza um grande contingente da Polícia Militar, em caráter ostensivo, no Centro da cidade como forma de desmobilizar manu militaria chamada “Cracolândia” – o que apenas resultou na migração de viciados para bairros próximos, como Higienópolis. A segunda é a controversa permanência da PM no campus da USP, o que resultou na agressão de um jovem estudante negro por um policial, conforme filmado e difundido amplamente pela Internet.

Em ambas as situações, constata-se o uso indiscriminado e onipresente da força policial como suposta solução para problemas sociais históricos. No caso do Centro, é fato que a especulação imobiliária e o descaso da Prefeitura, ao longo das últimas décadas, degradou por inteiro aquela região, relegando seus moradores ao abandono total e completo – do mesmo modo que vemos no caso da Comunidade do Moinho, recentemente vítima de um incêndio suspeito e cuja brava história de resistência de seus moradores foi acompanhada de perto pelo Escritório Modelo Dom Paulo Evaristo Arns da PUCSP. No caso da USP, a construção nada coincidente de um campus afastado cidade pela Ditadura Militar, com enormes espaços desertos entre as faculdades sempre favoreceu a incidência de crimes em seu interior.

Para ambos os casos, aliás, o poder público municipal e estadual sempre tiveram uma atuação pífia, que nos fazem duvidar de suas intenções ao determinar ocupações policiais desse porte. A presença do Estado no Centro sempre esteve associado à repressão policial, expulsão de moradores de acordo com os interesses das imobiliárias – ou mesmo as vistas grossas com a Cracolândia enquanto interessou àquele setor manter prédio abandonados, o que muda hoje, quando a tendência é a da construção de grandes empreendimentos de alto padrão. Na USP, a atual reitoria fez lobby contra a construção de uma estação do metrô no interior do campus Butantã, assim como se esforça para que as linhas de ônibus municipais parem de circular em seu interior, fato que colabora mais ainda para diminuir o fluxo de pessoas naquela área – além de demonstrar uma estranha má vontade com a reestruturação de sua guarda universitária.

No fim das contas, o presente uso indiscriminado da PM parece ter conexão com tudo, exceto com sua justificativa, a “segurança pública” – que nos dias atuais, tomou o lugar no imaginário coletivo que a “segurança nacional” ocupava nos tempos da Ditadura Militar como justificativa para toda e qualquer violência do Estado. Não obstante a existência, em plena democracia, de uma polícia militar com poder sobre civis é uma herança curiosa, uma vez que fere um dos pilares mais elementares do republicanismo, precisamente o afastamento incontestável dos militares dos assuntos civis – o que se via já na antiga República Romana, quando aqueles sequer podiam penetrar nas muralhas da cidade fardados.

O resultado prático desse militarismo sem hora nem lugar é que, vejam só, as taxas de criminalidade permanecem altas, demonstrando que esse tipo de ação não atinge os fins aos quais supostamente se pretende. Pior ainda, o número de homicídios causados pela polícia, geralmente em situações controversas, é altíssimo – efeitos claros de uma militarização, o que implica em um treinamento incompatível com o trato de civis, o que acirra o clima de guerra.

Se a própria condição da militarização da polícia é problemática, o seu uso como cura para todos os males, tanto menos. Ainda considerando um horizonte de uma polícia militarizada, não resta dúvida que tais operações constituem-se em uma ofensa à Constituição, seja por atacar a liberdade de ir e vir, a dignidade da pessoa humana e, ainda, a autonomia universitária.

A cidade de São Paulo, a exemplo do resto do estado e do país, urge por políticas públicas de democratização da gestão dos espaços urbanos e da universidade. As presentes operações – além de possuírem justificativas duvidosas – apenas ecoam a mesmíssima lógica de tempos estranhos à democracia e que mascararam, à base da violência, problemas sociais cuja resolução as autoridades da República continuam a se esquivar.

Centro Acadêmico 22 de Agosto
Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica -SP

Um comentário sobre ….22 de Agosto e o repúdio ao uso indiscriminado da PM….

  1. Anônimo 18 de janeiro de 2012 - 17:07 #

    A "cracolândia" existe há vinte anos. Sou testemunha disso. A única instituição que lá pisava era a Polícia Militar.
    Por que só agora resolveram aparecer o MP, o TJ, a Defensoria e etc ? Será que é porque só agora tomaram conhecimento da existência de tal flagelo, ou porque o problema foi bater nas suas portas ?