Em paradoxo mal explicado, empresas foram vendidas para capital estrangeiro, mas pagas com dinheiro nacional
Durante o processo das privatizações, o Brasil entrou em transe.
A imprensa eufórica abandonou sua tradicional postura crítica para remar a favor.
Não é de se estranhar que a opinião pública tenha vibrado a cada batida do martelo na Bolsa de Valores, como se a entrega de empresas estatais ao setor privado pudesse representar alguma inebriante conquista do país.
O clima positivo foi incensado por reportagens que atribuíam ao gigantismo do Estado o atraso da economia e o débito social.
Em nome desse passaporte para a modernidade, o país se desfez não apenas de empresas pesadas e custosas, mas de potências lucrativas. Não apenas de empresas periféricas cujo controle pudesse representar uma forma extravagante de atividade econômica, mas de gigantes dos setores estratégicos de energia e comunicações.
Em um paradoxo até hoje mal explicado, estas empresas foram vendidas para o capital estrangeiro, mas pagas com dinheiro nacional. Fundos de pensões das estatais e o banco nacional de desenvolvimento social avalizaram os bilhetes premiados que permitiram as privatizações.
Ao final deste processo, algumas áreas se modernizaram (como a telefonia celular), outras nem tanto (como a energia), mas ninguém pôde exibir orgulhosamente os frutos de tamanhas vendas. O patrimônio estatal aparentemente reduziu-se a pó.
Por prudência, receio ou conveniência, o governo petista que sucedeu FHC jamais questionou o processo.
Hoje, o distanciamento histórico nos permite avaliar acertos e erros das privatizações. Até para averiguar a viabilidade de sua continuação -atualmente centrada na infraestrutura (estradas e aeroportos) e expandida a serviço de setores essenciais, como a saúde.
Nesse horizonte crítico, o livro “A Privataria Tucana” (Geração Editorial), que bateu recordes de venda no final de 2011, agregou um novo condimento ao debate: a denúncia de que propinas pagas na formação dos consórcios e as vantagens que estes teriam auferido desembarcaram em contas de pessoas próximas a José Serra, então ministro do Planejamento.
O autor, Amaury Ribeiro Jr., centra sua pesquisa na criação de offshores em paraísos fiscais que teriam ocultado ganhos ilícitos do processo e o posterior investimento destas empresas de fachada no Brasil para internar o dinheiro. O jornalista foi atrás das constituições das empresas e, em vários casos, seguiu o rastro do dinheiro, apontando quando saiu e para onde voltou.
Seus personagens principais circulam, sobretudo, ao redor de José Serra: a filha, o genro, o primo e alguns amigos que também tomaram parte no processo, especialmente o ex-diretor do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira, que depois foi tesoureiro de sua campanha. Para quem tem pouca familiaridade com economia, e não entende bem o complexo movimento do ir e vir do dinheiro, como mecanismo para ocultar origem e destino, a reportagem tem pontos esclarecedores.
A utilização de paraísos fiscais para evitar controles e tributações não é fato novo. Mas incomoda constatar o quanto de dinheiro sai de nossas fronteiras para empresas que se resumem a caixas postais em ilhas do Caribe e como retornam como valiosos investimentos internacionais. Isto pode valer tanto para o dinheiro da corrupção (como sustenta o MP, em relação a Paulo Maluf) quanto para o do tráfico. Pode ser produto de fraude ao INSS ou de sonegação de empresas aparentemente respeitáveis.
Não se pode dizer, entretanto, que o livro-reportagem condene José Serra. Não há qualquer referência à empresa ou negócio de que ele tenha participado diretamente.
Mas tampouco é prudente afirmar, sem qualquer análise da veracidade e relevância sobre os documentos juntados, que tudo não passa de “peça de ficção”, como apressadamente sentenciou o jornalista de O Globo, Merval Pereira.
Ainda que não seja um porto de chegada, pode se transformar em ponto de partida – pautas, no jargão jornalístico.
Mas eis que veio justamente da imprensa a maior polêmica no entorno político que cercou o lançamento do livro. Sucesso imediato de vendas e tema dos mais compartilhados pela web, o livro quase não foi notícia na grande mídia.
Em alguns dos principais meios de comunicação, foi simplesmente ignorado; em outros, a menção só veio como forma de defesa do processo ou de seus envolvidos. O conhecido espírito crítico, a famosa ânsia de investigar fios desencapados, as coincidências que tradicionalmente sensibilizam os jornalistas, tudo isso ficou adormecido. E paradoxalmente, no ano que a grande imprensa tanto se jactou de ser fábrica de derrubar ministros a partir de denúncias veiculadas em suas telas e páginas.
A defesa ideológica da causa ou a eventual preferência política não devem influir nas pautas, sob pena de contrariar justamente o interesse público que representam. Afinal, como lembrou Wladimir Safatle, nas páginas da Folha de S. Paulo, “o primeiro atributo dos julgamentos morais é a universalidade”.
Qualquer pessoa minimamente inteligente e bem informada desconfiava que as privatizações feitas no governo FHC foram os maiores esquemas de corrupção da história do Brasil, porém ninguém tinha como provar isso. Até agora. O livro do Amaury comprova isso de forma incontestável.
Em momentos como esse sinto uma profunda tristeza por todos aqueles brasileiros que, ingênuos, mal informados ou guiados por um ódio irracional e cego às esquerdas (PT principalmente), votaram e votam em pessoas como Serra ou FHC. Agora está mais do que provado que são pessoas que não possuem o menor apreço pela coisa pública e que estão na política única e e exclusivamente para enriquecer às custas do dinheiro público. Por isso, merecem todo o nosso repúdio – e não apenas politicamente, mas como pessoas também. Se ao menos, mesmo com TODA essa corrupção revelada no livro do Amaury, tivessem feito algo de bom para o Brasil… mas nem isso. O governo de FHC foi um desastre para toda a população do país, principalmente a mais pobre, em todos os aspectos!
Acho que é uma ilusão sonhar que um dia veremos esses mafiosos na cadeia. Porém, para mim serviria de consolo que essa corja toda fosse enterrada politicamente de uma vez por todas, desprezados até pelo mais empedernido odiador das esquerdas que tenha o mínimo de bom senso e incapazes de se elegerem sequer para síndicos de seus condomínios…