Romance é retrato da geração que viveu as frustrações da redemocratização nos anos 80
As ilusões perdidas
MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA
“EU TINHA 20 anos. Não me venham dizer que é a mais bela idade da vida.” A frase é do escritor francês Paul Nizan, autor de “Aden, Arábia”.
Caberia como epígrafe de “Certas Canções”, de Marcelo Semer -romance de estréia cujo tema é a geração que, nascida em meados dos anos 60, viveu uma espécie de entressafra: o rescaldo das utopias contraculturais e os antecedentes do choque pragmático das eras Collor, FHC e Lula.
Na verdade, a frase serviria para qualquer geração, todas fadadas a desiludir os sonhos de juventude. Mas esta, em particular, mal teve tempo de sonhar: entre a fracassada campanha pelas eleições diretas e o anticlímax da chegada de Sarney à presidência, foram apenas três anos.
Nesse curto intervalo de tempo se passa a maior parte de “Certas Canções”, tendo como eixo um triângulo amoroso formado pelo narrador e por um casal de amigos.
Eles e os demais companheiros de universidade participam de comícios, passeatas, viagens a Visconde de Mauá e acalorados debates de boteco após sessões de cinema -mas logo percebem que o amadurecimento afetivo é o que resta quando os grandes impasses ideológicos não têm mais vez.
Essa, aliás, é a tônica de um livro sem pretensões formais, que opta pelo registro do diário íntimo, pontuado por versos de canções que serviram de trilha sonora para os anos 80.
Semer utiliza habilmente o recurso de inserir citações de MPB e do rock nacional de então no discurso de seu narrador -ora de maneira explícita (“caía a tarde feito um viaduto e nós fomos à praça da Sé”, referência a “O Bêbado e o Equilibrista”, de João Bosco), ora de forma velada (“igualzinho a nossos pais, já maduros e carecas…”, a partir do refrão de “Como Nossos Pais”, de Belchior).
O levantamento das canções utilizadas por Semer fornece um curioso retrato do período. Da música popular, ficam letras distantes, por exemplo, dos experimentalismos da tropicália; e, do rock, o frescor ingênuo dos Paralamas do Sucesso e do Ultraje a Rigor (bem diferente das asperezas alucinógenas de Secos e Molhados ou Mutantes).
Em dado momento, o narrador diz que outra personagem “nunca pretendeu ser uma metamorfose ambulante e era o avesso do avesso do avesso de um maluco beleza” -definição que vale para o conjunto dessa geração sem desbunde, mas que ainda não estava em casa, guardada por Deus, contando o vil metal.
“Certas Canções” é delicioso para quem viveu em São Paulo na época, freqüentou danceterias como Radar Tantã ou espaços como Café Piu-Piu e Lira Paulistana para ver shows dos grupos Premeditando o Breque, Rumo e Língua de Trapo -até hoje nossa mais completa tradução.
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CERTAS CANÇÕES
Autor: Marcelo Semer
Editora: 7 Letras
Quando: R$ 29 (126 págs.)
Avaliação: bom
Marcelo
Gostei tanto do seu livro que li de uma vez só.
Como tive o privilégio de estar fisicamente ao lado de tantos acontecimentos narrados, por estar cursando o mesmo ano que vc na São Francisco, a leitura foi mais que isso: foi uma viagem não só ao passado mas à minha própria imaginação tentando relacionar a realidade com a narrativa. Mais uma vez parabéns e que muita gente ainda possa lê-lo! Sucesso! Christianne Neves
Obrigado Chris.
Vindo de você, fera na música, minhas 'Canções' ficam ainda mais envaidecidas….
Li o conteúdo disponível no Google Books e achei a leitura deliciosa . Quase me vi entre os personagens, fazendo política estudantil nos anos 80 , tendo como fundo musical hits da mpb.
Vou adquirir o livro sim …
Abç
Caro Dr. Marcelo :
Meu nome é Vladimir Araújo, advogado, resido em Fortaleza, e nas horas que já há muito perderam o status de vagas, mantenho o site http://www.letraselivros.com.br. O site, no ar há cinco anos e sem fins lucrativos, trata de literatura, resenhas para livros e artigos. Dessa forma, peço sua autorização para reproduzir resenha feita pela Folha de São Paulo ao seu livro Certa Canções.
Atenciosamente,
Vladimir Araújo. http://www.letraselivros.com.br
de minha parte, não há problema, Wladimir. Agradeço a divulgação.