Acordo Brasil-Vaticano é questionado no STF pela Procuradoria Geral da República. Com base no caráter laico do Estado, o MP quer impedir o ensino religioso de natureza confessional em escolas públicas.
O STF está próximo de julgar uma causa espinhosa.
A Procuradoria Geral da República ajuizou ação direta de inconstitucionalidade para restringir o ensino religioso nas escolas públicas, limitando os termos do acordo do país com o Vaticano, que incluía expressamente esta questão.
O argumento do Ministério Público é a laicidade do Estado, ou seja, a impossibilidade de que seus órgãos públicos se vinculem a qualquer religião, estabelecendo algum tipo de exclusividade ou preferência.
A regra, tradicional nas democracias modernas, é resultado da separação entre Igreja e Estado, que no Brasil é contemporânea à proclamação da República. A separação contempla não apenas a proibição de uma religião oficial (como era a católica anteriormente), como estabelece a liberdade religiosa e a proteção a todo e qualquer culto.
Embora os atributos do Estado laico estejam na Constituição (art. 19, inciso I), a Carta Magna também prevê a existência do ensino religioso de caráter facultativo, nas escolas públicas.
A polêmica suscitada na argüição da Procuradoria diz respeito ao texto do acordo do Brasil com o Vaticano, um dos temas que provocou a visita do papa Bento XVI ao Brasil em 2007.
O acordo, que entre outras coisas estabelece o “estatuto da Igreja Católica no país”, seus direitos e, principalmente, suas imunidades, dispõe que o ensino religioso nas escolas públicas será “católico e de outras confissões religiosas”.
A Procuradoria propõe que o STF entenda que o ensino da religião deva ser não-confessional, tratado como história das religiões e ministrado por professores leigos -nem católicos, nem de outras igrejas.
O conteúdo da disciplina consistiria apenas na exposição de doutrinas, das práticas, da história e de dimensões sociais das diferentes religiões e também das posições não religiosas, ou atéias.
O modelo de ensino religioso, não confessional, seria o único que não implicaria endosso a qualquer crença ou posição religiosa e, portanto, o único compatível com o Estado laico, segundo a petição do Ministério Público.
A possibilidade de que haja professores de diversas confissões religiosas, de fato, não elimina a preferência por uma religião. Apenas as religiões majoritárias têm membros em condições de participar das escolas, nos mais diversos municípios do país.
As escolas públicas não são, efetivamente, o local mais adequado para o ensino religioso.
Dada a separação entre o Estado e a Igreja, o papel de doutrinar espiritualmente as crianças não deve ser atribuído ao poder público, mas às famílias, em seu espaço privado, e aos órgãos confessionais de cada crença.
Já vai longe o tempo em que direito e religião se confundia no país. Durante dois séculos, vigoraram no Brasil as Ordenações Filipinas, estabelecendo diversas condenações de cunho religioso, como penas para a heresia e a blasfêmia.
A separação Igreja-Estado nos distingue das teocracias que ainda permanecem vivas, em que os julgamentos se impregnam de conteúdos morais, confunde-se crime e pecado, e as penas têm caráter fortemente intimidatório e violento. Foi assim, por exemplo, durante o governo Taleban, no Afeganistão e vem sendo no Irã, desde a revolução islâmica de 1979. Não por coincidência, regimes que praticam a lapidação (apedrejamento).
O julgamento da ação no STF deverá ser precedido, se atendido o pedido da Procuradoria Geral da República, de audiência pública, o que permitirá que várias linhas de pensamento, inclusive e principalmente as religiosas (como também aconteceu no julgamento da utilização de células tronco-embrionárias), se expressem.
Embora a questão judicial ainda esteja restrita à delimitação do ensino religioso, ela se articula diretamente com outros pontos polêmicos envolvendo a natureza laica do Estado, como a afixação de símbolos religiosos em prédios públicos.
Na última vez que a questão foi submetida a um órgão do Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça negou a retirada de crucifixos dos fóruns, afirmando a vinculação destes a tradições culturais do país.
A questão é delicada e ressuscita o controvertido limite, entre a amplitude da liberdade religiosa e o constrangimento aos membros de outras religiões, obrigados a freqüentar os espaços públicos marcados pela fé alheia.
A melhor forma de preservar a liberdade religiosa de todos é tratar a religião como manifestação íntima, privada, a qual o Estado não deve estimular, nem tampouco reprimir.
O uso de símbolos religiosos em espaços públicos, como a sede de tribunais, ofende a laicidade, por conferir um estatuto oficial à determinada religião, qualquer que seja ela.
Mas as manifestações religiosas de cunho particular, como a utilização de vestes, tal qual o véu islâmico, não podem ser vedadas justamente pelas garantias da liberdade individual e de crença, previstas na Constituição.
Ao Estado laico, portanto, não cabe fomentar a catequese nem admitir a discriminação.
Veja, no site da PGR, a íntegra da Adin 4439.
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Obrigado pela dica Dr. Estou lendo a inicial e o texto me parece consistente.
De fato, a educação religiosa consiste em atribuição da família (para aquelas que lhe atribuem importância) a ser continuada no âmbito da igreja (ou confissão religiosa) a que aderem. Transferir esse papel para o Estado é mais uma "terceirização" ineficaz e com grave risco à equidistância que deve balizar a atuação estatal neste tema. Quanto aos símbolos religiosos, de minha parte, embora católico convicto (o dito praticante) ao longo de minha carreira sempre transferi o crucifixo da sala de audiências das Varas em que fui Titular para meu gabinete, vendo este como ambiente, embora também público, de destinação mais pessoal, ao passo que evitava qualquer constrangimento daqueles que eram obrigados a comparecer perante minha pessoa enquanto representante estatal em ato oficial.
O DAT – DIRETÓRIO ACADEMICO DE TEOLOGIA DA FACULDADE BATISTA BRASILEIRA (SALVADOR-BA.), SE SOLIDARIZA COM TODOS QUE ENTENDE QUE UMA CONFISSÃO DE FÉ É MUITO PESSOAL, NÃO CABE AO ESTADO LAICO GERIR QUESTÕES DOGMÁTICAS, A ESCOLHA RELIGIOSA DEVE SER LIVRE, E A EDUCAÇÃO PÚBLICA NÃO TENDENCIOSA.
Meus parabéns pelo artigo. São simples explicações que, infelizmente, muita gente não consegue – ou não quer – entender. Tanto o ensino religioso confessional (como quer a Igreja Católica com a Concordata em questão) quanto à colocação de crucifixos em repartições públicas são tentativas de se forçar o Estado a professar uma fé. E um estado confessional se opõe ao princípio da laicidade. A confissão de fé, como amplamente dito aqui, é pessoal, íntimo, cabendo o Estado não interferir e, caso molestado o religioso, garantir que essa pessoa possa continuar confessando sua fé. Até mesmo punindo o molestador, caso seja ato de discriminação ou preconceito. Só que, da mesma forma, o Estado, em nome da democracia, deve repelir qualquer tentativa de usá-lo como forma de propagar a fé ou alguma religião. Estado laico é um estado neutro em questão de religiosidade!
O "trio" religião, política e futebol sempre renderá frutos de discussão…
Acho que o fato do país ser laico, não significa que deva ser intolerante.
Em 2006 houve uma representação para que a clínica odontológica da USP retirasse o crucifixo da sala de espera.
Em 2007 o CNJ indeferiu o pedido de retirar os símbolos religiosos das dependências do Judiciário.
Ainda em 2007, a entidade "Brasil para Todos", liderada à época pela vereadora Soninha, queria um Legislativo sem crucifixos.
Novamente em 2007, agora em outubro, a 3ª Turma do TRF da 4ª Região determinou, por unanimidade, que a Universidade Tuiuti do Paraná, deveria alterar o horário de aulas de aluno adventista.
Em fevereiro de 2009, o então presidente do TJ/RJ, Luiz Zveiter fez "cruzada contra os crucifixos no Judiciário carioca", lembrando que o Zveiter é de uma família judaica tradicionalíssima…
Em agosto de 2009 a 3ª Vara Cível Federal de SP indeferiu o pedido do MPF de retirada de símbolos religiosos dos prédios públicos.
A Itália foi condenada no final de 2009 pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos em 5 mil Euros, por causa de um crucifixo na sala de uma escola pública. A mãe (reclamante) disse que tinha o direito de criar o filho num ambiente não-confessional.
Na Suíça houve referendo, cuja consulta popular foi contra a construção de novas minaretes, lembrando que há, ao todo, apenas 4 no país!
Em cima "da cabeça" do ministro Peluso tem o brasão da República e ao lado um crucifixo enorme…
Em outubro de 2010, na cidade de Tatuí, o comandante do Corpo de Bombeiros local causou polêmica na cidade ao mandar retirar todos os crucifixos e imagens de santos católicos das unidades sob seu comando. O capitão alegou que a exibição de símbolos católicos em repartições públicas causa "constrangimento" a pessoas que professam outra fé. Para ele, imagens e crucifixos fazem "apologia" da religião católica e contribuem para a "manutenção da falsa crença de que aquela religião seria a única detentora da benesse estatal".
Como explicar a Lei nº 6.802/80, que criou o feriado de 12 de outubro = Dia de Nossa Senhora Aparecida – a padroeira do Brasil?
Sobre o ensino religioso, em maio de 2009, Dom Odilo Scherere (arcebispo de SP) afirma que o acordo assinado no Vaticano respeita a diversidade cultural e de religião no País. Por sua vez em agosto de 2009 a CIMEB – Conselho de Pastores do Brasil soltou um "Manifesto à Nação" contra o acordo Brasil/Vaticano.
Exemplos não nos faltam… Entendo, que ser laico, significa ser tolerante com qualquer religião, ou com nenhuma!
Vamos ver o que o STF decide…
Na semana que vem haverá uma palestra proferida por mim sobre o tema no portal UOL/R2 Direito, ao vivo na net. Aviso o senhor com antecedência.
Abços, Frederico.