E não seria constrangedor a Defesa ficar em espaço subalterno?
Os leitores do Blog puderam acompanhar a polêmica sobre o lugar do representante do Ministério Público em uma audiência criminal.
A questão é suscitada há muito tempo, mas teve nova conotação com as recentes alterações do Código de Processo Penal, que reforçam o sistema acusatório, incompatível com a ideia de um promotor que anseie papel de quase-magistrado.
Na 1ª Vara Criminal da Foro Regional de Restinga (Porto Alegre, RS), a Defensora Pública Cleusa Trevisan requereu (leia aqui) a alteração do espaço de audiência, de modo a que o Ministério Público e a Defensoria Pública sentassem-se no mesmo plano –em nome da paridade de armas, da igualdade no processo penal e no sentido próprio do processo acusatório, no qual o MP não atua como parte imparcial.
O pedido da Defensoria Pública foi deferido por decisão extremamente bem fundamentada, do juiz Mauro Caum Gonçalves (aqui reproduzida), em que determinou se situe o MP no mesmo plano da Defesa –inclusive em respeito à lei orgânica da Defensoria que assim prevê, sem ofensa ao comando que impõe o representante da acusação ao lado direito (mas não imediatamente do juiz). Em jogo, o respeito à igualdade e ao sistema acusatório.
O Ministério Público impetrou mandado de segurança e, por liminar monocrática, o TJ-RS cassou a decisão de Mauro Caum, no dia 26 de julho.
Na decisão, o desembargador relator Armínio José Abreu Lima da Rosa, afirmou que ‘‘não parece razoável tomando-se por invocação o art. 7º, da Lei Complementar 80/94, alterar-se o mobiliário e ordem dos assentos quanto ao Ministério Público, sabendo-se que nem sempre irá atuar a Defensoria Pública na defesa dos réus, a par de, a vingar a tese, impor-se ao parquet, quando fiscal da lei, posição não exatamente adequada à função. Ou, pior, submetê-lo a constrangedor, para dizer o mínimo, deslocamento de um para outro lugar’’ (Leia a íntegra da decisão aqui).
O fato de que a defesa do réu nem sempre seja feita pela Defensoria, não parece ser fundamento razoável –a posição igualitária envolve acusação e defesa, independente de quem a exerça.
De outro lado, o MP não exerce a função de fiscal da lei no processo penal, mas representa a acusação. O Ministério Pùblico não oferece um parecer sobre o processo –mas sim a denúncia sem a qual a ação penal não se estabelece, e ainda está em sua função requerer medidas assecuratórias e cautelares, a procedência da ação e interpor apelo em caso de sucumbência. O simples fato de que pode desistir da acusação, propondo a absolvição, não invalida sua posição de parte.
O TJ não quer submeter o MP a um deslocamento que reputa constrangedor –ao lado da Defesa (como ocorre, por exemplo, em São Paulo há anos). Mas não se importa se o constrangimento se situa no campo da Defesa (compelida a exercer seu mister em um plano subalterno à acusação). Por onde andam o princípio constitucional da inocência e o primado do devido processo legal, que colocam à defesa de um réu como postulado essencial do Estado Democrático de Direito?
Todavia, merece registro, o Desembargador afirma no despacho concessivo que a questão ainda está em aberto, a ser dirimida com a conjugação de “princípio fundamental relativamente ao processo penal” e também ao processo civil (quando o Ministério Público é autor de ação civil pública).
Esperemos que o “princípio fundamental relativamente ao processo penal” prevaleça para os fins da ação penal.
A questão pode ter novo rumo, com o julgamento que se aproxima da Reclamação 12.011 movida pelo juiz federal Ali Mazloum, ao STF, depois te ver decisão sua de rearranjar a sala de audiências cassada pelo TRF.
Mais uma vez, como ocorreu em outras oportunidades, no julgamento da Marcha da Maconha, da união estável homoafetiva, na apreciação da inconstitucionalidade da proibição de progressão do crime hediondo, o STF será chamado para conferir conteúdo aos princípios constitucionais –desprezado costumeiramente nas jurisprudências dos Estados.
Para entender melhor o impacto do espaço cênico, leia o artigo: “Um banquinho, o Ministério Público e a Constituição: em busca de um espaço republicano”, do juiz e professor Rubens Casara
Só falta proibir a denominação PARQUET, já que a 'magistratura da pé' não fica mais no soalho.
Decisões como essa só evidenciam que a confusão entre o órgão julgador e acusador vai muito além da disposição dos móveis na sala de audiência. Há um tempo atrás escrevi um post no meu blog falando sobre a legitimidade política do MP. Acho que vale destacar esse texto aqui para contribuir para essa discussão. Segue o link: http://desmontadordeverdades.blogspot.com/2011/07/o-principio-do-promotor-natural-tecnica.html
Abraço.
Ivan de Sampaio
Blog: http://desmontadordeverdades.blogspot.com/
Juiz é Juiz. Advogado é Advogado. E, Promotor é Promotor. Simples assim.
Que crise existencial, hein, magistrados.
'quase magistrados'..nos poupem!