O artigo que segue é de Nagashi Furukawa, juiz aposentado e ex-secretário da Administração Penitenciária. O livro em questão é “desCasos”, retrato feito pela advogada Alexandra Szafir, sobre as injustiças do sistema criminal.
Há alguns dias fui ao lançamento do livro de uma querida amiga, Alexandra Lebelson Szafir, chamado “DesCasos” e ali testemunhei o quanto a força de vontade e a fé na vida são capazes de mover montanhas, de mudar o destino das pessoas e talvez até o rumo das estrelas, como dizia o grande Calamandrei.
Alexandra Szafir (que chamarei doravante de Alê) é advogada, sócia de um dos escritórios mais competentes do país na área criminal, que tem à frente o conhecido Alberto Zacharias Toron. Além disso, eu costumava dizer à Alê que ela tinha a sobrinha mais famosa do Brasil, porque Sasha, filha da Xuxa, é sua sobrinha, filha de seu irmão Luciano Szafir, ator global, conhecido de todos.
Conheci Alê, mais ou menos em 2000, quando meu filho Hélio foi fazer estágio de direito em seu escritório. Ela é uma pessoa completamente incomum: de família rica, com todos os componentes para ser uma socialite ou para estar freqüentando mestrados e doutorados nas melhores universidades do país ou do exterior. Porém, ao invés de estar nesses locais procurados e badalados, preferia advogar para pobres. Poderia, como muitos fazem, estar lecionando nas melhores faculdades de direito, exibindo títulos e mais títulos, ou ganhando dinheiro sem parar em seu escritório.
Alê, no entanto, fez uma opção de vida pelos pobres. Mais que isso, tem extraordinária preocupação pelos presos, em desfazer as injustiças inomináveis que centenas, milhares de detentos sofrem, unicamente por deficiência da defesa, pela ausência de um bom advogado.
São essas histórias, de casos e “DesCasos”, que Alê relata em seu livro. Fala de um preso que não conseguia sua liberdade porque a Justiça Estadual discutia com a Federal de quem seria a competência para julgar. O Ministro que deveria decidir ficara doente e os autos aguardavam em sua estante. Conta o caso de um desembargador que dormia durante a sessão de julgamento e acabou advertindo um advogado paraplégico para falar de pé na tribuna da defesa. Relata a reação de um promotor de justiça durante a realização do concurso “Miss Penitenciária” que eu promovi quando era secretário. O Promotor, surpreso em descobrir que presas não são tão diferentes dos demais seres humanos, teria dito que nunca mais agiria como antes, agora que descobrira essa “novidade”.
São histórias fantásticas, que vale a pena ler.
Mas, além dos casos e descasos que o livro traz, o que mais impressiona são as circunstâncias em que o livro foi escrito. A escritora, há alguns anos, passou a sofrer de uma doença pouco conhecida, que tem um nome complicado: ”Esclerose Lateral Amiotrófica” (ELA). Esse mal, que a ciência ainda não descobriu como curar, foi paralisando a Alê aos poucos. Primeiro as pernas, depois os braços e finalmente o corpo inteiro. Ela não consegue mais falar e nem fazer movimentos com qualquer parte de seu corpo, a não ser os olhos e o rosto. Dessa forma, paralisada em sua cadeira de rodas escreveu o livro. Mas como? – haverão de perguntar. Com um programa de computador e um aparelho preso ao rosto, apontando letra a letra do texto com uma luz emitida mais ou menos na altura do nariz. Alê fala na conclusão do livro que sempre teve a mania de enfiar o nariz onde não era chamada e que assim entrou na advocacia criminal. E foi com esse nariz intrometido (graças a Deus!) que escreveu “DesCasos”.
É uma história de vida fantástica, que faz todos nós nos sentirmos pequenos, muito pequenos. Essa grandeza da alma, que impulsiona sua vontade para continuar vivendo, e, principalmente, vivendo para fazer bem ao próximo, é algo que não pode passar sem registro.
Poderia escrever páginas e mais páginas relatando os casos que Alexandra Szafir defendeu, a meu pedido, sempre gratuitamente. A cada vez que via um processo complicado de algum preso, ou de funcionário correto sendo injustamente acusado, recorria à Alê, que jamais recusou um pedido sequer, meu ou dos colegas da secretaria. Fui testemunha das defesas magníficas que ela produziu, com recursos financeiros de seu próprio bolso, unicamente para buscar justiça ou desfazer injustiças. Não poucas vezes vi Alê indo à Brasília, pagando avião, sem receber nada, para sustentar oralmente a causa de algum pobre diabo que estava sendo injustiçado. Vi um experiente coronel da polícia militar ir às lágrimas quando pediu à Alê para defender um conhecido que não podia pagar. Ela, simplesmente, respondeu que defender injustiçados era para ela uma honra. E o defendeu – e como o defendeu.
Não sei quantas pessoas existem no mundo com a qualificação de Alexandra Lebelson Szafir. Devem existir outras. Assim espero. Eu não conheci nenhuma que tenha feito uma pequena parte do que Alê faz pelo próximo. Ela é tão grande, tão especial, tão extraordinária, que faz todos nós nos sentirmos pequenos, fracos, insignificantes. Mas, de outro lado, seu exemplo nos faz lutar incansavelmente contra a pequenez, contra a fraqueza, contra a insignificância, para buscarmos na sua figura esse extraordinário exemplo de vida.
Leia também meu artigo sobre “desCasos”: Advogada comove contando descasos do sistema criminal
Excelente artigo . Extraordinário exemplo de vida da Alexandra Szafir .
Bom domingo!
Exemplos de vida e superação como este, assim como do nosso querido colega Ricardo Tadeu – desembargador no TRT do Paraná que com sua deficiência visual enxerga muito mais longe do que nós – levam-nos a querer enfrentar nossas cotidianas e ínfimas dificuldades com mais galhardia. Abraços, Pimenta.
Comprovando o que disse o amigo e colega Paulo Pimenta, link abaixo para a entrevista do primeiro juiz cego do Brasil, Ricardo Tadeu, falando sobre direitos humanos e discriminação, no TRT de Goiás. Outro extraordinária exemplo de vida.
Confiram:
http://www.trt18.jus.br/portal/TRT18/TV?sub=video&id=95
Dr. Marcelo, gostei tanto do que li que resolvi publicar também em meu blog, confira:
Um abraço!
http://nilton-cezar.blogspot.com/2010/08/dra-alexandra-szafir-e-seu.html