Ministro que já detonou a independência do juiz detona agora seu trabalho
Reagindo à proposta de extinção do foro privilegiado, que volta à baila, após reportagem sobre a longa tramitação dos processos de competência originária nas Cortes Superiores, o ministro Gilmar Mendes soltou outra de suas pérolas: “a primeira instância não funciona”.
Alguns anos atrás, Gilmar já havia se insurgido contra o “independentismo” dos juízes, porque, afinal de contas, já existe o STF para tomar as decisões…
Na primeira instância, por exemplo, o médico Roger Abdelmassih foi condenado a mais de duzentos anos de reclusão por dezenas de crimes sexuais.
Houve defesa, oitiva de várias vítimas, testemunhas, alegações das partes e sentença. Nada disso importa quando Gilmar Mendes, em férias forenses, aprecia liminar em um Habeas Corpus que fora rejeitado no Tribunal de Justiça de São Paulo, no Superior Tribunal de Justiça e, posteriormente o seria, no próprio STF, para conceder a liberdade provisória ao réu –até hoje foragido por causa dela.
A primeira instância de fato não funciona –não tanto quanto as suas liminares no recesso.
Juízes não deveriam decidir com independência, supõe Gilmar –mas sempre seguir a jurisprudência, especialmente a do STF.
Quando veio o Plano Collor e suas incontáveis inconstitucionalidades, os juízes que quisessem esperar a posição do STF, ficariam com processos parados por mais de duas décadas.
O Supremo simplesmente se negou a decidir a questão que as primeiras instâncias tomaram para si, com decisões posteriormente confirmadas nos tribunais.
Para quem se especializou em ser o advogado do poder, de fato, a independência não ajuda nada.
A falta de regulação dos planos de saúde e das inúmeras objeções que frequentemente fazem para internação e custeio de seus conveniados, já teriam deixado um sem-número de pacientes sem tratamento, quem sabe se não mortos, não fosse a rebeldia de alguns juízes “independentistas” dessa primeira instância que não funciona. Não para quem só pensa em privilégios do poder.
E a união estável, que hoje tem estatura constitucional, também nasceu de decisões de juízes da ineficaz primeira instância, quando ainda não havia qualquer lei de proteção à chamada “concubina”.
Os juízes superaram o moralismo vigente na lei e forte na jurisprudência. Quanto tempo demoraria se fossem depender da provocação do STF?
Para reconhecer o absurdo da inconstitucionalidade da Lei dos Crimes Hediondos, por exemplo, o Supremo, em composições com a presença de Gilmar Mendes, demorou apenas 15anos.
O STF reconheceu recentemente a união homoafetiva, depois de inúmeras decisões das instâncias inferiores.
Os juízes da primeira instância, pelos mesmos fundamentos, ou seja, o prestígio à isonomia, já estão permitindo o casamento gay.
Não vão esperar outros 15 anos para dizer o direito a quem lhes procura. Nem a justiça que não funciona está disposta a esperar tanto tempo.
São pessoas como você me fazem acreditar que esse país tem jeito e que não posso desistir do curso de Direito mesmo diante de tanta injustiça, ilegalidade, arbitrariedade e subserviência do Poder Judiciário ao Executivo, como o que ocorre aqui na Bahia após a greve da PM.
Augusto Júnior
É por isso que rezo todas as noites e peço ao Papai do Céu:
"Deus, dê vida longa a Marcelo Semer!"
Att,
Fabiana Oliveira.
Parabéns pela sua posição, Dr. Marcelo !
Este Ministro é uma das pessoas mais antagônicas que já conheci. Até hoje não consigo encontrar nexo em seus pensamentos, muito menos em suas decisões.
Dr. Marcelo Semer,
acredito que esta discussão não é assim tão simples. O juízo de primeiro grau possui sim muita independência e o que vejo é uma grita gigante para a independência total, o que claro resultaria em uma carta branca sem precedentes.
O Senhor listou uma série de exemplos para mostrar que a "truculência" dos tribunais se faz presente, mas seus exemplos tratam de situações pontuais uma vez que a liberdade que hoje possuem é considerável, senão vejamos:
É no primeiro grau que as pessoas são presas sem provas. Sim, o juiz que em cidades pequenas conhece o Réu e sabe que ele é contumaz em praticar crimes e mesmo que naquele processo não tenha provas o condena para com isto fazer uma "limpeza social". O último mutirão carcerário não deixou dúvidas quanto a isto e aquele juiz que prendeu sem provas não sofre qualquer punição.
É no primeiro grau que se criou o esbulho possessório a favor dos bancos que jamais tiveram a posse direta dos bens que são alvo de "reintegração de posse" do que nunca foi integrado.
Foi no 1º Grau que se solidificou a escandalosa VRG em contratos de financiamentos bancários, situação que faz alguém, comprar (alugar) pagar por boa parte do bem e quedar-se sem ele.
Foi no primeiro grau que se solidificou a alienação parental, situação que condena milhares de crianças no Brasil a viverem longe dos pais, porque a imensa maioria dos juízes "acham" que a guarda deve ficar sempre com a mãe, mesmo a lei dizendo que não. Se a mãe fugiu com a criança para outro Estado e com isto ela ficará longe do Pai? "são apenas desavenças do casal que deve procurar se acertar". SE a mãe fez falsa denúncia de abuso sexual? "são desavenças entre o casal que deve se acertar". JAMAIS vi uma condenação por esta prática e as estatístcas do STJ dizem que elas são mais rotineiras do que as agressões domésticas.
Foi no 1º grau que se solidificou a ideia de que policiais militares poderiam ser consideradas testemunhas contra presos que eles mesmo prenderam, como se fossem capazes de desmerecer o trabalho que fizeram. "os policiais são funcionários do estado e gozam de presunção da verdade".
Foi no 1º Grau que se considerou a denúncia anônima capaz de prender alguém como "indício" de prova a simples comunicação apócrifa.
Ficaria dias exemplificando a liberdade que alguns juízes dizem não existir.
Enfim, a atuação dos tribunais deve sim existir inclusive para impedir que um juiz menos preparado se sinta legislador para se por como justiceiro. Digo mais, se um médico, na prestação de seu serviço público, errar clamorosamente, ele vai preso e deve pagar indenização. Não consigo entender como alguém, erra clamorosamente ao mandar para a cadeia alguém que sabe que não há provas contra ela, e não há qualquer punição penal.
A julgar pelos seus textos, não é o seu caso, mas não considerar que isto existe muito mais do que o aceitável é tapar o sol com a peneira.
Gilmar Mendes errou nos casos citados? Claro que sim, mas os erros na primeira instância são tantos e tão comuns que assustam quem milita na área hoje em dia.
Carlos
Semer, conheci seu blog hoje e pretendo acompanhá-lo.
Gostei desta sua mensagem, mas o contraponto do CArlos, acima, foi excelente, nao?
Jeca
Nelio, Fabiana, Augusto: grato.
Jeca, seja bem-vindo.
Carlos. Independência é premissa da jurisdição. Sem independência, não há jurisdição. Qualquer juiz tem o dever, mais do que o direito, de exercitar a independência.
A primeira instância comete muito erros. Os piores, todavia, são aqueles que não são corrigidos nas instâncias superiores. O nível de concessão de ordem em HCs criminais nos TJs é baixíssimo (o que demonstra que as violações não são exclusivas da primeira instância).
O desconhecimento do papel do juiz de garantidor de direitos fundamentais, infelizmente, está presente em todas as instâncias.
Mas correções aos abusos podem ser feitas, inclusive liminarmente; mas obstar o direito de nascer, não tem remédio.
Dr. Marcelo Semer,
Sou advogado, tenho irmã juíza e irmão promotor. Como não poderia deixar de ser a crise no judiciário é tema em nossas conversas. A independência do judiciário que tem se mostrado como uma ferramenta de "autofagia" deste Poder, é sem sombra de dúvidas a verdadeira mola propulsora do levante hoje instalado. Esta "independência que soltou o Daniel Dantas como o senhor bem cita causa uma revolta na população que somente agora o judiciário tem percebido.
Qual é o limite? Posso criar um novo conceito de esbulho por conta da independência do judiciário?
Posso prender e soltar, contra legem embasado na independência do judiciário?
Sobre a guarda de filhos a Ministra Nancy Andrigi chegou a dizer que vivemos uma ditadura feminista na primeira instância. Se a lei diz que não há preferência para mulheres e o juiz diz que há, quando um Ministro o repreende por afrontar a lei, estaria sendo vilipendiada a independência? O livre pensamento do juiz é uma carta em branco para saltar o texto positivado? Creio que não.
UM juiz de Goiás proibiu a união civil entre homossexuais, união que é positivada, que tem decisão do STF. O Juiz foi repreendido por isto, afrontou-se a independência do judiciário?
Um juiz em Minas disse que não aplica a Lei Maria da Penha que é positivada e com decisão do STF. Foi repreendido. Afrontou-se a independência da primeira instância?
Uma juíza contabilizou a pena de um assassino pelo crime de homicídio e pelo crime de disparo da arma de fogo que matou a vítima em flagrante reprimenda à péssima atuação da advogada do Réu. É esta independência que queremos?
Estes são exemplos pontuais que estão na mídia e isto ocorre todo dia neste Brasil continental. Independência contra a lei é ditadura judicial com outro nome.
Imagino que se a imensa maioria do judiciário gastasse mais tinta para explicar os limites desta independência e claro, apontassem seus desmandos a insatisfação com este Poder seria menos sensível.
Sou hiper, super, ultra favorável à independência, até porque sem ela não há judiciário, mas defendê-la sem tratar dos desmandos fica parecendo que estes, não existem.
Carlos
censura? falar em direito à independência pode, mas expor os excessos não?
Carlos
Sem censura, Carlos. Aqui pode criticar a vontade. Discordamos, mas a sua discordância incrementou a discussão e não a sepultou. Esteja à vontade para replicar.
Carlos.
Você tinha razão. Havia um comentário pendente (aprovado por e-mail, mas não publicado). Agora já foi.
De fato, divergimos mesmo. Se for punir a juíza porque aplicou a pena máxima, daqui a pouco também seremos punidos por aplicar a mínima. Entender uma lei inconstitucional (seja a Maria da Penha ou outra) ou mesmo a decisão do STF não é motivo para punição. O excesso verbal sim -pois não se pode usar a sentença como escusa para disseminar preconceitos. O risco de punir o contrário (dependendo de quem está no poder) é gigantesco, maior do que os desmandos que, repito, em regra nem sequer são corrigidos nas instâncias superiores.
Durante alguns anos, deixei de aplicar a Súmula do STJ que equiparava simulacro a arma de fogo. Entendi que havia uma gigantesca infração ao princípio da legalidade e a consequência podia ser a diferença entre liberdade e prisão (seja na preventiva, seja no regime). Eu entendi que não podia submeter os réus a esse equívoco que, felizmente, foi corrigido anos depois. Se isso significasse uma punição, devo dizer que jamais teria sido juiz. Nunca apliquei a proibição de progressão na lei dos crimes hediondos, porque sempre a entendi inconstitucional. O STF decidiu que não era. E depois decidiu que era. Muitas das minhas sentenças foram reformadas. Nem todas. Mas o que fazemos com aqueles 15 anos de interstício em que as pessoas ficaram presas pelo entendimento anterior? Não dá para voltar atrás, porque mudança da interpretação nem "abolitio criminis" é. O problema não está no excesso de independência -mas no abuso do poder. E este pode ser reparado, inclusive liminarmente. Mas os maiores abusos, dessas 'jurisprudências' que citou no outro comentário, não foram corrigidos porque os TJs concordaram e cada vez mais os Tribuais Superiores estão criando obstáculos para a reparação. Ou seja, o erro também não pode ser atribuído apenas a quem praticou, mas a quem, podendo corrigi-lo, não o fez.
Dr. Marcelo Semer,
Me desculpe se não me fiz entender, mas não temos divergência neste caso. Não falei em punir os juízes, até porque acredito que "educar" (se é que este termo seja bom) é o melhor caminho. Não puno meus filhos, os educo. Conheço algumas de suas sentenças "inovadoras" e seu posicionamento contrário ao copia e cola. Nesta mesma toada caminha o ilustre Magistrado (ilustre de verdade, não apenas um tratamento reverencial) Alexandre Morais e tantos outros.
Exatamente por isto trato deste tema com o senhor. O senhor é DECENTE, jamais tive uma dúvida sobre isto e como o senhor há vários, mas que há outros em número bem maior a saltar as normas escondendo-se atrás de "independência", isto é inquestionável. Entristece que em um momento em que o Poder Judiciário sofre uma saraivada de críticas, muitas delas verdadeiras e boa parte, levianas; se houve mais os brados do Gilmar Mendes, Calandra, Marco Aurélio do que os dos homens que têm reputação.
Como advogado critiquei a OAB em Brasília e em São Paulo por conta da defesa da não revista em advogados. Sou decente e honesto, não me sinto ofendido em ser revistado, desde que claro com decência. Critico a OAB por não punir os advogados que movem recursos imprevistos na norma somente para retardar o processo. Critico a OAB por pedir transparência nas contas do judiciário quando as nossas contas são um bueiro sem fim. Critiquei e critico a OAB por falar em ineficácia das corregedorias estaduais do judiciário, quando as nossas são verdadeiros queijos suíços. Já me pediram para "pegar leve" com os colegas. Como assim pegar leve com quem enche os autos de documentos que nada têm a ver com o processo para dificultar sua solução? São prerrogativas dos advogados, mas seus excessos são danosos para a sociedade sim e não deixo de falar disto.
Quando vejo magistrados da sua envergadura moral tratando dos verdadeiros descalabros diuturnos em se tratando de "independência" dos magistrados sem deixar claro a verdadeira agressão que se faz aos direitos humanos fico triste. Quando vejo advogados descaradamente trabalhando pela morosidade da lide e não vejo notificações à OAB me entristeço igual. O que se tem contra ops advogados hoje é a prática de alguns inservíveis e estes, conseguem macular toda uma coletividade e este mesmo sintoma se aconchega ao judiciário. Ou os homens decentes, que são muitos se movem contra aqueles que destroem a carreira e mostram de maneira evidente que este comportamento não é bem quisto, ou temo pela legitimidade deste poder em pouco tempo. Não há textos de juízes contra isto e quando a corregedora (atrapalhadamente e midiaticamente) fala o que todos nós já sabemos é atacada com pedras. Que ela foi inconveniente é fato. Que ela foi sensacionalista, quem terá coragem de dizer que não. Mas porque um homem que disserta tão bem sobre a progressão de regime em uma sentença não usa toda esta verve para defender a magistratura inclusive apontando erros e o mau uso da independência. Não falo em punir, mas no mínimo organizar.
Carlos