….STF deve assegurar direito a manifestações….

Juízes devem ser garantidores da liberdade, não agentes de censura

A decisão judicial que proibiu a Marcha da Liberdade em São Paulo reacendeu uma velha polêmica: na democracia, podem os juízes assumir o papel de censores?

Com cerca de cinco mil pessoas, a manifestação de sábado último foi palco de uma enorme contradição: vetada expressamente pela justiça, foi acompanhada de perto pela Polícia Militar.

Escaldada com as fortes críticas depois da repressão da Marcha da Maconha, a PM optou dessa vez por não tentar impedi-la.

Mas o ato que se formou pela liberdade de expressão e ganhou ruas do centro de São Paulo com integrantes distribuindo flores, cumpriu apenas metade de sua função. E se os manifestantes quisessem mesmo discutir a legalização da maconha, teriam sido presos por apologia?

Até o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso anda fazendo coro à tese da descriminalização do uso de entorpecentes, ancorando documentário que está por estrear.

Seria o caso de também processá-lo, ou a censura apenas se restringe a quem se manifesta na rua? O discurso articulado é menos perigoso ou violento que algumas poucas palavras de ordem?

Em artigo que circulou pelas redes sociais na véspera da passeata, a juíza Kenarik Boujikian Felippe expôs com rara felicidade o cerne do direito à manifestação: a questão deve ser resolvida pela Constituição Federal e não pelo Código Penal (É proibido proibir – A Marcha da Liberdade).

E a Constituição, a lei das leis, estabelece como direitos fundamentais, que não podem ser revogados: o de associação, o de liberdade de expressão sem prévia censura e o de manifestação em local público sem necessidade de autorização.

A decisão paulista, é preciso dizer, não está isolada, nem no tempo nem no espaço. Vem sendo repetida, ano após ano, sempre na proibição da mesma Marcha da Maconha. E o raciocínio da proteção à ordem pública quanto a uma possível apologia das drogas, também já foi aplicado em outros Estados.

A divergência de entendimentos, inclusive, suscitou ação proposta pela Procuradoria Geral da República no Supremo, que em breve poderá ser julgada, dirimindo as dúvidas.

Ao fazê-lo, o STF assinalará um importante paradigma: o papel do juiz no estado democrático de direito.

Acredita-se que nossa Suprema Corte, a julgar por sua jurisprudência mais recente, não se desviará da interpretação de que o juiz é o garantidor das liberdades, não um agente de censura.

Nesta perspectiva, não caberia ao Judiciário nem sequer a tarefa de autorizar manifestações, independentemente de seu tema, quanto mais proibi-las.

Numa passeata, como é próprio dos atos de expressão de opiniões, podem ocorrer delitos de palavra. Mas está distante do papel do juiz criminal, a competência para se antecipar e evitar crimes de qualquer natureza -deve julgá-los sim, quando e se submetidos ao devido processo.

O risco de uma política por assim dizer preventiva é justamente a criação de um órgão censor, que se firme como obstáculo entre o cidadão e a liberdade.

Afinal, ao juiz, como fiel garantidor da Constituição, deveria caber fundamentalmente defender as liberdades, e não dificultar o seu exercício. A rigor, o dilema extravasa o direito à manifestação.

A figura do juiz censor tem mutilado de outra forma a liberdade de expressão: a proibição de espetáculos, livros ou reportagens, sob o fundamento da defesa da reputação e outros direitos da personalidade.

Com tais decisões, magistrados revigoram por vias transversas a censura prévia, expressamente banida pela Constituição Federal.

Em relação a este ponto, o STF deixou passar uma grande oportunidade para abordá-lo, quando lá chegou ação interposta pelo jornal O Estado de S. Paulo, censurado em uma reportagem. Desviou-se do assunto diante de questões processuais.

Espera-se, todavia, que o enfrente em um futuro próximo – estará afiançando dignidade ao mesmo tempo ao Judiciário e às liberdades públicas, que sempre devem andar de mãos dadas.

A sociedade brasileira está se acostumando a conviver com o ativismo judicial.

Os juízes estão se desgarrando das armadilhas do positivismo, justamente para reconhecer a validade dos princípios e dar valor a direitos negados pela omissão dos governos e dos parlamentos, que até então vagavam como letras mortas.

Mas nada indica que estaremos prontos para uma espécie de reativismo judicial – a paulatina desconstrução dos direitos fundamentais em nome da tutela da segurança e do bem-estar.

Afinal, a Justiça está longe de ser uma reencarnação do Departamento de Ordem Política e Social.

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2 Comentários sobre ….STF deve assegurar direito a manifestações….

  1. ♀♥ كيارا ♥♀ ♀♥ Kiara ♥♀ 2 de junho de 2011 - 01:22 #

    Pode até descriminalizar, mas que o usuário seja punido efetivamente se cometer o delito, tendo antes usado o entorpecente.

    Porque muitos que usam drogas, quando cometem crimes e são pegos, sentem o frio na barriga e alegam mil coisas, e a droga se torna atenuante! Isso eu acho um absurdo. A partir do momento que usa, tem que ser responsabilizado!

  2. Anônimo 2 de junho de 2011 - 14:16 #

    Obriado pelo destaque, seu blog é sempre muito inspirador. Mas meu desejo era comentar apenas que o circo possibilitava a qualquer um ter oportunidade de censurar o juiz censor, quase toda semana, e aumentar com isto os litígios e as discussões; mas acabei por me perder nas letras… Um abraço. – Sidney